Estamos convictos, após a leitura destes doze contos, de que Francisco Carreiro [pseudónimo com que Cristóvão de Aguiar concorreu ao Prémio Literário Miguel Torga/Cidade de Coimbra] faz parte daquela cada vez mais rara estirpe dos genuínos contadores de histórias. De que, vista a sua extraordinária capacidade de efabulação, estas histórias podiam ser apenas o início de muitos outros volumes arquitectados pela mesma imaginação prodigiosa e, ainda, de que cada um dos personagens que as povoam leva em si o germe de muitos outros possíveis relatos que podem um dia vir a ser escritas por ele.
No livro fica gravada uma reflexão pessoal sobre o que é ser homem no Portugal contemporâneo, dentro de uma filosofia humanista em que o autor, o narrador, as personagens, e a ambiência formam um núcleo indissociável da problemática da condição humana, com a crítica ao belicismo, à exploração do homem pelo homem, à sua emigração, à falsidade dos códigos morais imperantes. O seu posicionamento leva-o a constituir-se em testemunha desconfortavelmente invulgar da História contemporânea portuguesa. E é nesta reflexão que se instaura a temática, a começar por “Trasfega”, a história inicial, em que o autor, em permanente diálogo com o espírito da terra açoriana, com essa Ilha que faz parte dele, desce, numa viagem vertiginosa, às funduras da sua condição de homem-escritor sem renunciar a ser ele próprio, mesmo quando se descobre como um nó-cego de contradições. Aspecto igualmente a destacar é a denúncia da alienação do povo na época do Estado Novo, inserida no dramatismo arrepiante da história de “Liberto”, que encerra o volume, e na condenação da guerra colonial nas imagens delirantes, fortemente impressivas, que envolvem o surrealismo do pesadelo do ex-combatente na guerra da Guiné, em “A noite e a sombra”. O estilo, que transmite a fluência do discurso oral, percorre todos os registos conotativos da linguagem: a malícia mordaz em que assenta o diálogo amoroso e que envolve a sua crítica ao tradicional estatuto do sacerdócio; a ironia de raiz popular impressa no desfecho de “A Prenda”, contrapartida irreverente do milagre das bodas de Cana; a intensidade lírica que envolve a ligação do narrador à terra, aos homens, ao sentimento. Foi a valorização dos elementos referidos que nos levaram a dar o nosso voto a Trasfega.
Eloísa Alvarez - in "homenagem a Cristóvão de Aguiar 40 anos de vida literária.
quarta-feira, 29 de agosto de 2007
TRASFEGA - Fundamentação da atribuição do Prémio Literário Miguel Torga/Cidade de Coimbra, 2002.
Publicado por Lapa às 12:07:00
Secção: Prémios Fundamentação, Trasfega
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TANTO MAR
A Cristóvão de Aguiar, junto
do qual este poema começou a nascer.
Atlântico até onde chega o olhar.
E o resto é lava
e flores.
Não há palavra
com tanto mar
como a palavra Açores.
Manuel Alegre
Pico 27.07.2006
do qual este poema começou a nascer.
Atlântico até onde chega o olhar.
E o resto é lava
e flores.
Não há palavra
com tanto mar
como a palavra Açores.
Manuel Alegre
Pico 27.07.2006
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