in Diário dos Açores 21/07/2007
Acaba de ser lançado mais um livro de Cristóvão de Aguiar – "A Tabuada do Tempo – a lenta narrativa dos dias" – Prémio Literário Miguel Torga/Cidade de Coimbra/2006.Cristóvão de Aguiar neste livro, que deverá constituir um dos mais relevantes da Literatura diarística portuguesa, atinge o mais elevado patamar da sua carreira literária.Não resisto em realçar o seguinte excerto, cujo conteúdo faz também parte da minha memória de infância: ".... acordou-me, na memória, uma catadupa de vivências, na Ilha, onde na ponta final de minha infância, e na adolescência, ajudava meu tio Fernando, na sua estância de madeiras, ferragens, tintas e cal, assim por esta ordem, como rezava o cabeçalho das facturas e se acrescentava: Casa Fundada em 1943 ... e senti-me por trás do balcão aviando os fregueses: meio quilo de pregos de soalho, um alqueire de cal em pó, dez quilos de cal de pedra, vinda expressamente do forno do senhor Germano Augusto, de Lagoa".Eloísa Alvarez, porta-voz do Júri do Prémio Literário Miguel Torga escreveu no Prólogo: "Cada frase desta Tabuada do Tempo transforma-se numa revelação estilística, com descobertas lexicais e sintácticas que, iludindo a divagação, partem da procura no cerne da língua portuguesa, identificando o estilo de um autor que mostra nesta obra o ponto mais alto da sua maturidade literária."Há quatro anos escrevi neste jornal um apontamento sobre Cristóvão de Aguiar em que realçava:"Os personagens plenos de afectividade e ternura, de humanismo e sensibilidade, com que os leitores deparam na obra de Cristóvão de Aguiar, mormente a vavó Luzia e o avô José dos Reis na "Raiz Comovida", as expressões linguísticas provindas de estrangeirismos tão utilizadas pelo nosso povo, entre outros aspectos, fazem deste escritor um dos maiores vultos da Literatura Portuguesa Contemporânea, que muitos críticos o assemelham a Vitorino Nemésio."Pois Cristóvão de Aguiar continua a presentear-nos com textos que nos inebriam, pela sua beleza, pela sua indizível descrição das suas e nossas raízes, pela sua cristalina escrita, pela afecto da narração da memória colectiva de um povo, da Ilha, sem contudo deixar de ter o seu carácter universal que é uma constante na sua obra de Literatura Portuguesa, de significado ilhéu.Cristóvão de Aguiar, consagrado escritor açoriano nado e criado no Pico da Pedra, tem já uma vasta obra, realçando-se, de entre muitos, "Raiz Comovida", a célebre trilogia romanesca, de que "A Semente e a Seiva"(1978), recebeu o Prémio "Ricardo Malheiros, da Academia de Ciências de Lisboa, "Trasfega – Casos e Contos", em 2002, Prémio Literário Miguel Torga/Cidade de Coimbra. Agora com "A Tabuada do Tempo", novamente Prémio Literário Miguel Torga/Cidade de Coimbra/2006.Tanto na ficção como no diarismo, em que também já recebeu o Grande Prémio da Literatura Biográfica da Associação Portuguesa dos Escritores, Cristóvão é um mestre da Literatura Portuguesa que ombreia muitos escritores portugueses.As suas estórias e muitas das suas fascinantes personagens são registos indeléveis da memória das gentes. Escrever sobre Cristóvão de Aguiar, sobre a sua notável obra e, obviamente, sobre o lugar altaneiro que de há muito alcançou na Literatura Portuguesa não é tarefa fácil. A pureza das gentes, a quietude do ambiente nos livros de Cristóvão de Aguiar, os hábitos prenhes de generosidade, a forma de vida não contaminada pelo consumismo, a vida saudável e simples da aldeia, onde razões havia ainda para se ter um sorriso aberto, franco e descomplexado, têm sido um ponto comum. Foi a pacata freguesia do Pico da Pedra, na Ilha de S. Miguel, foram a principal fonte, quase inesgotável, onde o escritor buscou o húmus com que recriou as suas personagens. A "Raiz Comovida" foi bem a prova disso, nos anos setenta. "Trasfega – Casos e Contos", em 2002 foi um complemento e agora "A Tabuada do Tempo" lançado há dias na Câmara Municipal de Coimbra, que vem ainda mais catapultar a visibilidade de Cristóvão de Aguiar nas Letras Portuguesas. Por fim Coimbra, a sua terra adoptiva. Foi lá que gerou, a partir da "bigorna" da sua pena e com um tempero de persistente e exigente "serralheiro da escrita", a quase totalidade da apreciada, consagrada, saliente e importante obra, que muito honra a terra que o viu nascer.
A palavra do leitor
2 comentários:
Leio quinzenalmente o Jornal de Letras e não me lembro de alguma vez ter lido alguma entrevista ou crítica a este escritor.
Está enganado.
Saíram várias críticas e pequenas menções avulsas no Jornal de Letras. Mas, talvez sem a visibilidade que mereceriam.
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