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segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Crítica literária do livro Miguel Torga o Lavrador das Letras, in Campeão das Províncias.

É um livrinho pequeno mas rico em testemunho. Em “Miguel Torga. O Lavrador das Letras. Um Percurso Partilhado” Com Chancela da Almedina, o escritor açoriano Cristóvão de Aguiar reúne excertos das suas publicações diarísticas—“Relação de Bordo” I e II, e a “Tabuada do Tempo—A Lenta narrativa dos dias”_, nos quais existem referências a Miguel Torga, fruto da convivência e do intercâmbio que ambos tiveram mais de um ano.

“ Os laços afectivos e literários que me enleiam à obra do poeta e escritor Miguel Torga Datam de há mais de 40 anos”, refere recordando as primeiras impressões da obra do médico, fruto de leituras ainda na ilha de São Miguel, enquanto jovem.”

Na altura leitor assíduo de Eça de Queiroz, Cristóvão de Aguiar confessa que, “pelo pouco que havia lido, notara logo que o estilo de Miguel Torga era totalmente distinto do cinzelado nas obras do pobre homem da Póvoa de Varzim—mais enxuto, descarnado e de uma seriedade granítica. Ali não se vislumbrava um pingo de ironia.”

Foi já em Coimbra, onde se instalou na década de 60, que Cristóvão de Aguiar conheceu verdadeiramente a obra do escritor transmontano. “Só em Coimbra, após a guerra colonial, e já numa idade mais amadurecida, me encafuei de tal forma na obra torguiana, que ainda hoje, passados todos estes anos, continuo a frequentá-la com uma assiduidade de devoto que ainda não esfriou a sua fé”, admite.

“ Esta paixão deve ter tido origem não só na prosa apurada com que o escritor lavra a página de cada livro e me fascina pela simplicidade trabalhada até à placenta da palavra mas também no facto de a ambiência espelhada nos “Contos” e sobretudo em  “A Criação do Mundo” ser idêntica, ou muito semelhante, ao pequeno grande mundo da Ilha onde fui nado e criado”, justifica.

Aida hoje, confessa ainda o escritor, ” a (re)leitura dos livros de Miguel Torga invade-me de uma paz rústica, genuíno oásis neste mundo barulhento e transmuda-se num conchego caldeado de uma ansiedade mansa”. Torga, acrescenta, “é uma personalidade rebelde e inquieta e refelecte-a como poucos em toda a sua vasta obra.
1.º Centenário do seu nascimento.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Coimbra, May 1, 1974.

Coimbra, May 1, 1974 ─ I have never seen a deluge of people of this nature in all my born life. Neither the procession of the Senhor Santo Cristo dos Milagres, the largest of all held, also in May, on one of the Islands of the Azores, might be compared with what I have seen today, with tears gushing out, willingly, from my full eyes. It was like a river Tagus overflowing of people from the Square of the Republic to the University Stadium, on the river Mondego left bank.
Miguel Torga followed close to me. I tried to read in his face what he would feel within his soul. I was not successful. However, his presence in the grand civic procession gave the event a guarantee of patriotic seriousness ─ the Poetry and the Revolution hand in hand down the Avenue. God grant that this Hymen might be lasting!
Even my eldest son, Zé Manuel, who is little more than seven years old, has had his first act of domestic emancipation ─ he got lost among the crowd and only came back home by nightfall! I saw him very happy, because, according to what he said, he did it on purpose ─ he knew the streets that could lead him back. He also wanted to enjoy his share of freedom…
Judging by the crowd that joined Coimbra procession and all the others I watched on television in the evening, it gave me the idea that everyone in this country was longing for democracy. Are there not too many democrats in so small a nation? It is high time to begin to doubt so much abundance…

(From the book: Miguel Torga ─ The ploughman of the Writing ─ A Shared Path)

sábado, 12 de dezembro de 2009

Cristóvão de Aguiar, por Chrys Crystello. 8.º Colóquio Anual de Lusófonia, 2009.

MESA QUADRADA SOBRE TRADUÇÃO E LITERATURA DE MATRIZ AÇORIANA

Grandes vultos das letras e das artes nasceram nos Açores como Gaspar Fructuoso, o conde de Ávila, Manuel de Arriaga, Antero de Quental, Teófilo Braga, Roberto Ivens, Tomás Borba, Francisco de Lacerda, Canto da Maya, Domingos Rebelo, Vitorino Nemésio, António Dacosta, Carlos Wallenstein, Victor Câmara e Carlos Carreiro. Dos autores contemporâneos de que falarei aqui, selecionei aqueles por quem nutro apreciação. Acolho como premissa o conceito de açorianidade de Martins Garcia que, admite uma literatura açoriana «enquanto superstrutura emanada dum habitat, duma vivência e duma mundividência» . A açorianidade literária (termo cunhado por Vitorino Nemésio, na revista Insula, em 1932) não está exclusivamente relacionada com peculiaridades regionais, nem com temas comummente abordados na literatura, tais como a solidão, o mar, a emigração. Martins Garcia não se mostra empenhado em definir a literatura açoriana, mas a sua qualidade estética. Na obra “Para uma literatura açoriana” (1987) afirma: “...utilizar um conceito antropológico de cultura para provar a diferença entre os Açores e o Continente é admitir que um traço distintivo venha a justificar uma autonomia, quando, na realidade, são as diferenças culturais que formam um acréscimo que dão identidade, seja a uma literatura, seja a um povo .
Em “Constantes da insularidade numa definição de literatura açoriana” J. Almeida Pavão (1988) diz “...sobre a existência de uma Literatura Açoriana...assume-se tal Literatura com o estatuto de uma autonomia, consentânea com uma essencialidade que a diferencia da Literatura Continental. No polo positivo de um extremo, enquadrar-se-ia a posição de Borges Garcia e no outro extremo situar-se-ia o polo, naturalmente contestário, formado por Gaspar Simões e Cristóvão de Aguiar. Isto, sem falarmos de outros tantos depoimentos, compendiados na obra A Questão da Literatura Açoriana, de Onésimo de Almeida (1983) .”
Depois de, no meu fervor iniciático, ter sido um adepto da Literatura Açoriana, à medida que lia os mais consagrados e badalados, ficava com uma sensação amarga. Há muitos, mas de qualidade irregular, dir-se-ia duvidosa. Sorri da minha ingenuidade. Ao ler Dias de Melo, guardei as baleias, o livro intimista “À Boquinha da Noite (2001) e poucos mais. Lera mas não gostara doutros com um neorrealismo primário que nada tem a ver com os livros mais antigos sobre os baleeiros. Onésimo fora um desapontamento mas como croniqueiro eram notáveis as piadas que sempre o caracterizaram. Daniel de Sá tem talvez como uma das suas melhores obras, a novela “O Pastor das Casas Mortas” e obras mais antigas (sobretudo “Ilha grande fechada” (1992). Dele, ressalvam-se bons textos nos últimos anos, em livros ou guias de turismo como “Santa Maria Ilha-Mãe”, “S. Miguel, a ilha esculpida” e outro sobre a Terceira (a publicar em breve, todos da VerAçor). Entretanto, JC lera outros poetas e escritores açorianos espantosos de quem poucos falavam. Martins Garcia era um deles...
Como tradutor no seio desta geografia idílica, não busquei a essência do ser azórico em miríades de variações nem cuidei de saber se o homem se adaptou às ilhas ou se estas condicionaram a presença humana, para evidenciar a sua especificidade ou açorianidade. Deduzi no decurso da sua tradução características relevantes para a açorianidade:
1. O clima inculca um caráter de torpor e de morosidade;
2. Os povos quedam hoje, física e culturalmente, quase tão distantes de Portugal como há séculos atrás;
3. O recorte dos estratos sociais: é ainda vincadamente feudal apesar do humanismo que a revolução de 1974 alegadamente introduziu nas relações sociais e familiares;
4. A adjacência das gentes à terra persiste ainda imune a aculturações, fora das pequenas metrópoles que comandam a vida em cada ilha, opondo-se ao centralismo autofágico e macrocéfalo, que regem esses dois submundos como vasos não-comunicantes.
Daniel de Sá dedicou “O Pastor das Casa Mortas” “às mulheres e aos homens que ainda acendem o lume nas últimas aldeias de Portugal. O herói busca um amor perdido no léxico e na sintaxe dos montes escalavrados da Beira Alta. Por entre o pastoreio, calcorreia paixões sofridas, numa apologia da solidão. O retrato de Manuel Cordovão, lusitano de um amor só, é uma ode ao açoriano apartado de si e do mundo por um amor impossível inconcretizado. Trata-se de uma visita ao Portugal profundo, interior e inacessível. Aqui não se fala do “despovoamento das ilhas” antes se resgata o imaginário coletivo na erudição improvável de um mero apascentador de cabras. Em “Santa Maria ilha-mãe” Daniel de Sá viaja ao passado mítico, refulgente de nostalgia lírica por uma infância despretensiosa. Visita o isolamento de séculos, permeado por ataques de piratas, a inculcar mais vincadamente as crenças religiosas. O título gerou controvérsia mas o autor notaria: “Não se trata de "mãe" adjetivo, mas sim de dois substantivos. É uma ilha que é mãe também...” As personagens são credíveis e transportam-nos a partilhar sentimentos com os interlocutores. Como magistralmente disse a escritora canadiana Ann-Marie MacDonald, “A tradução é uma arte e uma maestria, com um toque de alquimia. Quando o autor e o tradutor se reúnem, o resultado pode ser inspirador. As nuances traduzem a língua numa forma de arte
Dias de Melo escrevia sobre os baleeiros, como se da sua “Cabana do Pai Tomás”, no Alto da Rocha do Canto da Baía, na Calheta de Nesquim na açoriana ilha do Pico, vigiasse os botes e as lanchas da Calheta baleando contra os Vilas e os Ribeiras. A escrita embrenha-se como o nevoeiro em que os trancadores se debatiam na luta inglória para ganhar a vida. Resumo o autor a uma frase: Injustiça Social. É da sua denúncia que trata ao abordar a emigração, as realidades sociais e económicas, a repressão do Estado Novo e os dramas humanos, na linguagem simples dos homens do mar. Fica-se com a sensação de uma sociedade arbitrária e perversa. Coube-lhe a sorte de ter recebido homenagens públicas nos últimos meses de vida, quando a VerAçor re-editou alguns dos seus livros. Como espetador atento da luta quotidiana e da condição humana, nunca se coibiu de a viver e contar. Cumpre evitar que essa memória se esvaneça e porfiar para que seja lido pelas novas gerações, pois, como ele escreveu: “A esperança num mundo melhor já não será para mim, nem para nenhum de nós e eu revolto-me com o que vejo à volta de mim”
Nas ilhas existem interesses esconsos e panelinhas em que pontificam menos valias com fama fácil e nomes menores da literatura local. Com a paixão de descobrirmos estes autores, olvidamos o conhecimento dos restantes. Deixamo-nos embalar pela açorianidade, a diegese das ilhas, seus costumes ancestrais, o canto das suas sereias...Lemos outros açorianos espantosos de que ninguém fala como José Martins Garcia . Sobre ele escreveu David Mourão-Ferreira “Se não vivêssemos, vicentinamente, num País em que a "barca do purgatório" anda sempre mais carregada que as outras duas, o [seu] nome deveria ser hoje saudado como o do escritor mais completo e mais complexo que no último decénio entre nós se revelou; (...) com igual mestria tanto abrange os registos da mistificação narrativa como os da exegese crítica, tanto os da desmistificação satírica como os da transfiguração telúrica, e que sem dúvida não encontra paralelo, pela convergência e concentração de todos estes vetores, na produção de qualquer outro seu coetâneo ”. E Maria Lúcia Lepecki acrescenta "É a arte de narrar "em puro" que Martins Garcia cultiva: de modo que opta por não fazer quaisquer tipos de experimentações. Vai sempre re-experimentando, e confirmando, o contar histórias."
Côrtes-Rodrigues é outro nome juntamente com Emanuel de Sousa poeta e autor de Eurídice com prefácio de Natália Correia; e autor de Ariadne , Saiu agora uma rica edição de uma antologia de contos de Martins Garcia. A coleção intitula-se Biblioteca Açoriana e é dirigida por Urbano Bettencourt e Carlos Alberto Machado . Já foram publicados, nesta coleção, em 2009: Almas Cativas e Poemas Dispersos, de Roberto de Mesquita ; A Moldura, de Conceição Maciel; Português, Contrabandista, de José Martins Garcia, antologia de contos, a maior parte inexistente no mercado, com um posfácio de Urbano Bettencourt. Há mais três nomes a não esquecer: Vasco Pereira da Costa, poeta, romancista, nascido em Angra em 1948. Além disso é pintor com o pseudónimo de Manuel Policarpo. A sua Exposição de Pintura no Museu dos Baleeiros das Lajes do Pico em Junho, foi para a Terceira, e está agora nas Portas do Mar, em Ponta Delgada. Intitula-se As Ilhas Conhecidas - Cartografia e Iconografia. Os quadros relativos ao culto do Espírito Santo são uma forte crítica não só ao culto da terceira pessoa como à sociedade...Há ainda Eduardo Jorge Brum (fundador e diretor do Semanário "Expresso das Nove") poeta, contista e romancista, nascido em Rabo de Peixe. Escritor maldito, na linha de Luiz Pacheco. As suas principais obras foram todas publicadas na Europa-América, com exceção de uma, que saiu na Vega , e por último, Marcolino Candeias, nascido em Angra em 1952. Poeta de um só livro, embora se tivesse estreado aos 16 anos com um livro Por Ter Escrito Amor que terá repudiado, pois não consta na sua bibliografia. A 2.ª edição intitula-se: Na Distância deste Tempo . Como se pode ver há muito para além das hortênsias e dos romeiros, tema desesperado de tanto aspirante a escritor numa eterna antologia de autores açorianos, mas nem todos eles serão obreiros de verdadeira literatura.
Deixei premeditadamente para o fim Cristóvão de Aguiar , um escritor incómodo. Não só se libertou das grilhetas do cativeiro confinado da ilha como demonstrou com a sua prolífica publicação aquilo que mais se entreteve a negar: a existência de uma literatura açoriana. Exigente consigo e com os outros, com fama de intransigente, não se inibe com polémicas e controvérsias. Domina a língua como só os grandes escritores almejam, enquanto se deixa consumir na incandescente falta de confiança genética de ilhéu. Eterno insatisfeito burila as filigranas letras com que nos enleia no basalto da sua ilha adotiva, o Pico. Como visitou e viveu para lá da fronteira invisível do grande Mar Oceano olha retrospetivamente para o Pico da Pedra, em São Miguel, onde nasceu, e vislumbra a pequenez das gentes encarceradas nas ilhas, contentadas com qualquer emigração económica e a canga feudal que persiste. Pedaços de gente dura e impiedosa cumprindo rituais. Intolerante, devota e invejosa na sua ânsia de emigrar. Depois, o regresso de aparência gloriosa, mas sem acarrearem na desafogada bagagem algo de valor. Apenas dinheiro e bens materiais. Sobre a sua marilha natal, diz Cristóvão:

São Miguel já não é a mesma Ilha onde fui nado e criado e vivi até à arrogância dos vinte anos. Pude verificá-lo, há pouco, durante o 4.º Encontro Açoriano da Lusofonia, em que, para regozijo meu, não encontrei os costumeiros intelectuais de pacotilha, que sabem tudo quanto no Universo se passa, com retrato de pose na galeria dos imortais há muito mumificados…Nem é sequer a mesma Ilha que foi, até há poucos anos, muito nublada, já não digo por um nevoeiro absoluto, mas por alguns resquícios aparentados a certas pesporrências de má memória. Temos, porém, de convir que, durante séculos, certas forças religiosas, conluiadas com todos os poderes, foram o sustentáculo da ignorância abençoada pela trilogia Deus, Pátria e Rei de outros tempos, e Deus, Pátria e Família, do tempo de muitos de nós. Direi como Mestre Gil Vicente: E assim se fazem as cousas. Levou tempo, mas o inevitável aconteceu. Acaba sempre. O medo e outras rançosas virtudes impostos ao espírito e nele lavrado em sulcos mais ou menos profundos (nem toda a terra consente a ignomínia), com relhas enferrujadas e passadistas, têm destes percalços - no ápice de um instante imprevisto esse terreno enfastiado de tanta aridez fementida e coerciva, súbito se devolve à sua límpida condição de húmus que favorece a estrutura do solo e do subsolo e do infra-subsolo: o consciente, o subconsciente e o inconsciente.

Cristóvão é um permanente “Passageiro em trânsito”, título do seu mais benquisto livro na rota do inconformismo. É a voz ininterrupta de uma consciência coletiva que não se asfixia. Granjeou o direito a chamar os bois pelo nome sem se deter nas finuras das convenções do parece bem. É crítico impiedoso do destino que alguns queriam eterno, da subserviência e submissão aos senhores das ilhas, descendentes diretos dos feudais opressores da gleba. Narrativas dissecantes que se assemelham a uma técnica de travelling em filmagem. Grandes planos, zooms, e paragens esmiuçadas nos rostos e mentes dos atores principais dos seus diários, intitulados Relação de Bordo (trilogia) e A Tabuada do Tempo. A câmara detém-se e escalpeliza a alma daqueles que filma com palavras aceradas. Dói e magoa como o vento mata-vacas que sopra do Nordeste. Psicanalisando as gentes e a terra que o viram nascer adotou uma nova ilha mátria, em 1996.

A Ilha do Pico faz-me as vezes de mulher amada. Desvenda-se aos poucos, em erótico vagar, para se lhe descobrir os recantos e sortilégios mais íntimos. E nunca se chega, nem se precisa, ao cerne do feitiço... Meio encoberta, meio desnudada, sempre ataviada de cheiros exóticos e eróticos, faz com que se abram as narinas de cio. Colhem os olhos as tonalidades indefiníveis de seus roxos e azuis, o cinza entorresmado de seus mistérios, seus verdes percorrendo toda a escala cromática, vertidos na paleta primigénia de que se serviu o Criador para matizar a tela da Natureza. Sempre que caem sobre o mar do canal, cavado e furioso ou espelho de Narciso, a Ilha de São Jorge, nua e arroxeada, a garantir mais mundo, os olhos coalham-se de espanto em face do mistério de assistirem ao primeiro dia da Criação...Não cabe no olhar a Montanha bíblica. Extravasa a humana retina. Bíblica. Acredito ter sido em seu cimo, que roça o Céu, que Moisés recebeu as Dez Tábuas da Lei. E de um penedo fez jorrar a água que saciou a sede do seu Povo.

Cristóvão de Aguiar não é um autor fácil nem facilita o léxico para leitores de pacotilha. Amaldiçoado mas nunca maldito, outros o forjaram malquisto. Acossado por tudo e por todos. Exige tanto dos seus leitores como de si. As suas palavras pungentes estão gravadas visceralmente num granito alheio às ilhas que se encontra na trilogia Relação de Bordo. No último volume, deparámos com uma interminável história de amor sem que os leitores enxerguem esses arroubos. Ele é o magma de que são feitas as gentes de bem. Terei encontrado o escritor neste amigo novo? Este autor que ora descobri como se o conhecesse há muito, como se tivesse sido irmão caçulo ou compagnon de route 66 à la Jack Kérouac, iluminando o túnel das ideias . Navego imerso na sua escrita tateando como um recém-nascido fora do ventre materno. Aprendo com este mestre contemporâneo da literatura de matriz açoriana. Muito apoucado me aquilato em tão ínclita companhia.

Nestas navegações literárias, uma pessoa não lê apenas Cristóvão de Aguiar, empreende uma viagem tridimensional repleta de sentidos. Confluem na escrita como lava “pahoe-hoe” (pron. pah hoi-hoi) de aparência viscosa mas fluida, prateada e entrançada como cordas de baleeiro. Outros autores aparentam lava tipo “A a” (ah ah), grossa e áspera, magma de rochas solidificadas impulsionadas. Em Cristóvão de Aguiar nada é impelido embora por vezes se assemelhe na sua descrição e nos contornos emocionais à pedra-pomes, piroclasto dominante das rochas traquíticas. A observação de qualquer pedaço de basalto revela-nos, quase sempre, a existência de vesículas disseminadas na rocha, de tal modo estanques, que esta pode flutuar na água por largos períodos. Resultam de gases separados do magma que, não tendo escapado para a atmosfera, ficaram aprisionados na rocha sob a forma de bolhas onde também ficam retidos ad eternum todos os leitores. A escrita lávica de Cristóvão fica a boiar no nosso espairecido imaginário. Foi ela que nos instigou a rabiscar esta lamentação com o frémito ciumento dos que não conseguem escrever da forma única e inimitável como só ele sabe e sente sobre os Açores. Essa a forma de amar e de ressarcir a terra que o viu nascer... As ilhas irão, um dia, desatar as grilhetas que as enjaulam no passado e Cristóvão ficará então desobrigado da tarefa hercúlea de acarrear a sua ilha como um fardo ou amor enjeitado, que nisto de ilharias há muitas paixões não correspondidas.

Dias de Melo e Daniel de Sá já foram traduzidos e “O Pastor das Casas Mortas” vai surgir em castelhano. Cristóvão não foi traduzido. Além dele há outros escritores e poetas que teremos de divulgar e traduzir. Isto sim é um crime de lesa literatura. Iremos concentrar os esforços dos Colóquios em editá-lo no Brasil e tê-lo traduzido na Bulgária, Roménia, Polónia e Eslovénia. Todos nós, meros mortais, teremos de ler os restantes e apreciar a sua universalidade, apesar da matriz açoriana que a todos permeia. Sei que incorremos numa grave omissão se não conseguirmos lançar em novos mercados e traduzir “A TABUADA DO TEMPO”, “TORGA LAVRADOR DAS LETRAS”, “MARILHA”, “RAIZ COMOVIDA”, “RELAÇÃO DE BORDO I, II, III”. Este o desafio que lanço, hoje, como um repto que ninguém recusará, estou certo.

Dr. Chrys Crystello.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

ÍNDICE ONOMÁSTICO, do livro Miguel Torga o Lavrador das Letras, Almedina 2007. "Um pequeno livro, mas rico em testemunho"

Índice onomástico:
Fernando Aires 49
Luís Albuquerque 30
Manuel Alegre 51
António Alferes 47
Henri Frédéric Amiel 68
António Arnaut 21, 56
Agustina Bessa-Luís 31
Edmundo Bettencourt 81
Senhor Botelho 28
Bertold Brecht 67
Luís de Camões 59
António Campos 21
Martins de Carvalho 40, 61, 85
Raul Carvalho 51
Camilo Castelo Branco 31
Cardeal Cerejeira 84
Miguel de Cervantes 61
Natália Correia 44,45
Luísa Dacosta 49
Júlio Dinis 37
Eurípedes 67
Serafim Ferreira 54
Vergílio Ferreira 37
Branquinho da Fonseca 81
Irmão Francisco 33
Almeida Garrett 37, 69
Johann Wolfgang Von Goethe 67
Álvaro Guerra 21
Artur João 26
Ben Johnson 67
Silva Júnior 21
Immanuel Kant 67
Manuel Laranjeira 49
Garcia Lorca 67
Filho Luís 76
Viriato Madeira 21
José Manuel de Aguiar 16, 24
Molière (Pseudónimo de Jean-Baptiste Poquelin) 67
José Eduardo Moniz 38
Joaquim Namorado 30
Vitorino Nemésio 31,34, 37, 42, 50
Friedrich Nietzsche 67
Fernando Pessoa 44
Loja das Pintas 28
Carlos Pinto 17
Eduardo Prado Coelho 52
Eça de Queirós 13, 37
Antero Quental 59
Paulo Quintela 25, 26, 28, 31, 32, 34, 35, 36, 51, 61, 62, 63, 64
José Régio 62, 67, 68, 69
Carlos Reis 33, 34
António Resende 54
Aquilino Ribeiro 37
Adolfo Correia Rocha 57, 61, 80
Nelly Sachs 67
Mário do Sacramento 30
Jorge Sampaio 39
José Saramago 55
May Sarton 68
João Gaspar Simões 31
Mário Soares 25, 39
Sófocles 67
General Spínola 26
Miguel de Unamuno 61
Fernando Vale 39
Paula Valente 17
Padre Valentim 27, 66
Paul Valery 35
Gil Vicente 67
Virginia Woolf 68

PS ─ Não introduzi, neste índice, o nome de Miguel Torga, porque aparece mais de cem vezes. Além disso, o livro é sobre ele.

Cyrano de Bergerac

Cyrano de Bergerac
Eugénio Macedo - 1995

TANTO MAR

A Cristóvão de Aguiar, junto
do qual este poema começou a nascer.

Atlântico até onde chega o olhar.
E o resto é lava
e flores.
Não há palavra
com tanto mar
como a palavra Açores.

Manuel Alegre
Pico 27.07.2006