domingo, 13 de junho de 2010
Um Livro por Semana LXXVIII. Relação de bordo, de Cristóvão de Aguiar. Faial Online, por Victor Rui Dores.
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quarta-feira, 6 de janeiro de 2010
Blogues e livros, in blogue "Mau Tempo no Jornal", por Pedro Barros Costa.
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quinta-feira, 18 de outubro de 2007
Bristol Rhode Island. O Senhor Mestre Artur, Pai de Cristóvão de Aguiar, num cemitério de Bristol R. I.
UM "ATÉ LOGO" COALHADO DE ETERNIDADE
Bristol Rhode Island, 26 de Janeiro de 1992.
De novo aqui me encontro, meu Pai, cada vez mais acolhido ao calor que a tua forja foi em mim demorando e estanciando. Nenhum frio de neve semelhante a este, que sopra de um quadrante de outro mundo, ou mesmo mais intenso, estaria apto a fazê-lo esmorecer e amuar em morno e tranquilo rescaldo. Disseste até logo e presto voltaste atrás, como quem se esquece da boina, e acrescentaste: “Se Deus quiser, Conceição”... Estarias porventura pressagiando fumo de tragédia ou cheiro dela erguendo-se do ventre da manhã de horas minúsculas, irrevogáveis, integralmente nuas e tuas, abastecidas daquela solidão que precede a planura da ausência? E Ele, meu Pai, não quis. Tu, que havia pouco, a Ele te encomendaras em íntimo e recolhido diálogo contigo, como o fazias todas as manhãs para aquecê-las e oleá-las de princípio! Não quis. Bem gostava eu agora de deslindar tão misteriosos desígnios. Aqui, a teus pés, no teu leito de terra, suavemente reclinado para o Sol-poente, coberto de um lençol de relva, ainda crestada destes frios desalmados da Nova Inglaterra. Não consigo. Sempre pediste a tua morte assim subitânea, um aniquilamento à tua altura... E ela foi-te concedida. E assim abalaste da vida que te magoou desde a madrugada dos anos até ao crepúsculo. Zarpaste sem incomodar ninguém. Sem tocares com tuas mãos sábias no fantasma sempre tão contigo de poderes um dia vir a ser despejado na lixeira humana de uma qualquer instituição eufeministicamente denominada lar de terceira idade... Não lhe tocaste. Mas constituiu a tua sombra nos últimos anos que viveste no sobressalto dessa suposição. Não consigo deslindar, Pai. São tão misteriosos os desígnios! E por que disseste até logo e ainda não regressaste desse poente para onde te sumiste, vou continuar esperando dentro em mim, aqui sentado nesta banqueta de pedra despolida que a vida me arrumou. Foste sempre um homem de palavra. Às vezes mais rija que o aço da ferramenta que temperavas. Outras, terna como criança embebida a fabricar seu próprio brinquedo. E tu construíste tanto, meu Pai. Desde a manhã dos tenros anos até ao alpardusco da existência! Homem de palavra. Não posso, nem razões me assistem para pôr em dúvida a tua derradeira frase "até logo". E vieste atrás e ajuntaste "se Deus quiser". Ainda conservo, por isso, o fio da lamparina aceso. Um pavio entrançado de muitos fios de esperança. a que nunca soube morrer. Sei de um saber que não se pode explicar, mas de fonte segura - a que jorra do coração-, sei que, onde quer que estejas, Pai, ou a vir do nascente ou enfronhado no ocaso, tenho a certeza que me vais ler, ou me estás já escutando enquanto, ajeito estas palavras numa bigorna, quem sabe se uma extensão da tua, todavia menos concreta, mas igualmente suada, que isto de querer ser serralheiro da palavra, como foste do ferro e do aço, não é ofício a que qualquer um se possa alcandorar, pelo menos com a perfeição que atingiste no teu. Empresta-me as tuas mãos, Pai, e tudo se tornará mais claro deste lado da vida em que me encontro. Faz hoje exactamente um ano. Saíste de casa. Até logo. E vieste atrás para emendar a secura da frase. Se Deus quiser. Não quis. Como o tempo corre sem freio, esse cavalo sem tino e de tiro puxando o arado que nos vai lavrando a leira dos sonhos com relhas de alguma ilusão, necessária. Diferente daquelas que forjaste para charruas verdadeiras de desventrar a terra, desvendando-lhe os segredos e a intimidade. Já não sentes o tempo, Pai! Despiste-te do casacão do tempo, que, por vezes, incomoda. Estás agora nu dentro de outras horas que não pesam e são leves como a eternidade. E aqui estou, meu Pai, ainda vestido do meu corpo e do tempo que o vai arruinando. No Verão passado, plantei-te flores exactamente por cima da tua cabeça. E elas medraram e floriram. Olho o céu e vejo garças. Não sei se as mesmas que te acompanharam há um ano à tua mansão ungida de silêncio e de paz. As garças não te esqueceram. Ias todos os dias alimentá-las ao Colt State Park. Conheciam-te já. Não são ingratas como certos filhos dos homens. Não te esqueceram. E acompanharam-te. Emitiram seus pios de pesar.
Trago-te este braçado de lágrimas para regar a lembrança que de ti guardo.
Até sempre, Pai!
Cristóvão de Aguiar
("O Serralheiro da Escrita", in Relação de Bordo II, Campo das Letras, 2000, pp. 188, 189 e 190, et in Emigração e Outros Temas Ilhéus, in fine. Óleo sobre tela, por Bárbara Borges)
Segundo o Prof. Doutor José Carlos Seabra Pereira, professor de Literatura da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, este é um dos melhores textos da Literatura Portuguesa sobre o Pai.
A eterna saudade do Seu neto José Manuel.
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Secção: BRISTOL R.I., Colaboração de Cristóvão de Aguiar, Emigração e Outros Temas Ilhéus, Relação de Bordo II
quarta-feira, 22 de agosto de 2007
Professor Aníbal Pinto de Castro: Apreciação genérica da obra e razões do seu apreço por Cristóvão de Aguiar - 2000

(…)Hoje, porém, aqui estou. Não para lhe escrever o estudo crítico que, como escritor, Você de há muito merece. Não lhe escondo até que, se o tempo a isso me der talho, muito gostarei de fazer um dia. Desta feita quero apenas, de uma forma afectuosamente simples, dizer-lhe um pouco das razões do meu apreço por si e pela sua obra, tal como tenho vindo a conhecer um e outra, através dos três volumes da Raiz Comovida, e das páginas do Ciclone de Setembro, do Passageiro em Trânsito ou da Relação de Bordo, entre outros.
O que mais profundamente me impressiona na sua escrita é a riquíssima carga de humanidade que simultaneamente lhe serve de “raiz”, lhe vivifica a alma e lhe marca o estilo. Por isso a sua ficção está tão visceralmente ligada aos lugares onde nasceu, cresceu e viveu, e às pessoas que, sendo parte essencial desses lugares, deles conservam marcas tão fundas mesmo quando, no seu discurso, se volvem personagens. E daí decorrem, afinal, as características que melhor o definem como escritor.
Em primeiro lugar, a sua autenticidade, que é, acima de tudo, fidelidade às suas raízes, teimosa e indelevelmente arreigadas na lava da sua Ilha. Não é por acaso que este conceito e a palavra que o traduz lhe saltam com tanta frequência à mente no acto de escrita e lhe servem de título a uma assaz longa série de volumes! No seu mundo afectivo (do qual decorrem, afinal, as suas opções essenciais como escritor) a Ilha transforma-se, tanto pelo poder encantatório da saudade como por um sentido artifício metafórico e metonímico, numa envolvência generosa e plena, que é ao mesmo tempo mãe placentária, mulher de serena beleza, amante fogosa e sempre dolorosa nostalgia, mesmo quando nela reentra por períodos mais ou menos demorados de reencontro ou de evocação. É assim que, quando, num passo da Relação de Bordo escrito em Mafra a 3 de Fevereiro de 1964, escreve “Viajo por dentro de mim e chego sempre à Ilha”, não está apenas a referir-se ao encontro imaginário com um amor ausente no tempo que por lá deixou perdido. Está sobretudo a procurar dentro de si (e a encontrar!) essa Ilha feita de lava, de mistério e de saudade, sem se dar talvez conta de que, estando dentro de si, ela o envolve e o enleia, não para o sufocar, mas para o fazer vibrar de emoções sempre novas e lhe revelar, dentro e fora de si, dentro e fora dela, o melhor do sentir poético que, por uma força quase invencível que dela lhe vem, Você exprime na sua prosa, bem melhor (permita-me a franqueza) do que nos seus versos.
É por essa mesma razão que, sendo um errante passageiro em trânsito, Você consegue o milagre de conciliar esse apego profundo a essa sua Ilha ancestral com a entrega, sempre apaixonada, às novas ilhas de um seu arquipélago imaginário, em cujo mapa se vieram alinhando outros lugares, marcados pelo bom e mau que a Vida sempre traz consigo, sejam os eldorados da emigração açoriana em terras americanas, sejam (mirabile dictu!) as dores físicas e morais da lancinante experiência da guerra da Guiné, antecedidas pelo inferno tantas vezes desumano de Mafra, seja sobretudo o encantamento irresistível desta Coimbra, que tanto o soube cativar desde o tempo das suas ilusões de menino e moço! Compreende-se deste modo como, em si, a espontânea generosidade com que adere às causas que, em certos momentos da vida lhe parecem justas, se concilia com uma nobre capacidade de tolerância, só de raro em raro perturbada, e com um sentido quase bravio de independência de espírito e de opinião que o fazem respeitar os outros ou reconhecer, com exemplar humildade, que o seu caminho não era exactamente por onde, em determinadas circunstâncias, julgou que necessariamente poderia ou teria de passar.
Depois, gostaria de sublinhar a intrínseca simbiose que estabelece entre o memorialismo e a ficção. Como em todos quantos se abalançam à arte difícil da escrita diarística, o meu Amigo vê a realidade vivida por si com as lentes de uma agudíssima sensibilidade poética de dimensão universal. Não admira, pois, que, quando narra o seu dia-a-dia, nos dê dele um ou mais quadros que, sem faltar à verdade, adquirem uma dimensão ficcional tão própria e acentuada que os projecta numa polifonia já de pendor flagrantemente lírico; e que, por outro lado, a sua ficção se mantenha tão presa ao seu quotidiano referencial, conferindo-lhe tons de verdade que mantêm os problemas humanos sofridos pelas personagens ao alcance imediato dos seus leitores e da vida real que estes também defrontaram ou defrontam. Lembra-me Camilo, em cuja ficção personagens, criador e os virtuais leitores tão facilmente conviviam que pareciam comparsas de um mesmo drama em cuja representação se acotovelassem sobre as tábuas do imenso palco do grande teatro do Mundo!
E é ainda a essa simbiose de ancestralidade, de experiência de vida e de cultura literária que Você vai buscar o melhor do seu estilo. O linguajar da fala micaelense, bebido no leite de sua Mãe e no rigor honrado de seu Pai, e do qual Você (Deus louvado!) conserva o feliz sotaque, dá-lhe belíssimas expressões que conferem ao seu discurso, em cuja correcção se sente ainda a excelência dos Professores de Português que teve e a lição das muitas e boas leituras que ao longo da vida fez, aquela mesma autenticidade feita de saber, de sentir e de exprimir que eu acima sublinhava. Respigo, quase ao acaso, alguns exemplos das páginas da Relação de Bordo. Veja como ficou “néscio e sucinto”, quando a Contuboel chegou o telegrama anunciando o nascimento do seu primeiro filho (p. 67); ou aquele “lirismo de confeitaria [que] atinge o negativo no termómetro social” que tanto o irritou na véspera de um Natal passado em Coimbra (p. 104); ou aquele “desistir de ter futuro” com que noticia a morte de Ary dos Santos (p. 310); ou aquela sensação de que “era a cabeça do mundo que doía em si”, no fim de uma tarde passada numa esquadra de polícia (p. 331); ou o desejo que sentiu um dia em Bristol, de que o levassem imediatamente a casa de seus Pais a fim de reunir, um por um, os cacos em que se fragmentara (p. 384) – cá temos um sinal bem claro daquela sua fragmentação de ilhéu ancorado por vários cantos do mundo! –; ou o adro azul da sua infância, de que fala na p. 408...
Não deixa de ser prova bem evidente dessa sua capacidade de metaforizar a vida e a linguagem que a traduz, mesmo nos seus momentos mais difíceis, este passo, datado de Coimbra, a 3 de Maio de 1984, em que, para exprimir a dificuldade de retomar a escrita, evoca o salto para o galho que, como todos os que por lá passámos, tinha sido obrigado a dar quase 20 anos antes, na Tapada de Mafra: “O galho da escrita está um pouco mais afastado da plataforma onde se encontram as intenções. Nele entram em jogo outros músculos e outras mãos” (p. 344).
Recordarei sempre, como momentos de magnífico recorte poético e estilístico a página datada de Leiria, a 16 de Dezembro de 1970, em que, perante um menino pobre que brincava na rua, se aproximou de Jesus, porque a Ele o compara o menino, mas também porque, descido de novo à realidade, não encontrou nenhum José de Arimateia que se aproximasse da sua cruz... Ou aquela outra a ressumar um doloroso sentimento de abandono, mas de tão feliz riqueza metafórica, quando em Coimbra, a 24 de Agosto de 1988 (p. 412), o telefone emudeceu, o carteiro não tocou e, sobretudo, a esperança não esperneou!
Meu caro Cristóvão, tenho de parar, sob pena de transformar a expectativa da carta que lhe prometi, num enfadonho arrazoado de análise de textos que corre sério risco de lhe causar pesadelos. É que eu, como Professor, pergunto muitas vezes a mim próprio o que diriam os autores cujos textos ensinamos, se pudessem ver os coelhos críticos que lhes iramos das cartolas que escreveram... Graças a Deus que o meu Amigo está vivo e são para me poder desmentir e pôr na ordem, se vir que desatremei ou que me atrevi a vender a suculenta lebre dos seus livros pelo esfolado e mal cozinhado gato vadio da minha prosa arvorada em... crítica! Creia, no entanto, que, justo ou injusto, certo ou errado, quanto aqui lhe escrevo é sincero, porque nasce do cordial apreço que lhe dedica o seu colega, amigo e fiel leitor muito agradecido.
In prefácio do Relação de Bordo II e Homenagem a Cristóvão de Aguiar
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Secção: críticas literárias, Relação de Bordo II
sábado, 11 de agosto de 2007
Apresentação de "Relação de Bordo II" pelo Professor Aníbal Pinto de Castro
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Secção: Lançamentos, Relação de Bordo II
TANTO MAR
do qual este poema começou a nascer.
Atlântico até onde chega o olhar.
E o resto é lava
e flores.
Não há palavra
com tanto mar
como a palavra Açores.
Manuel Alegre
Pico 27.07.2006



