Ainda sou capaz de um cântico de amor. Não sejas tão vaidoso… Sinto que os sessenta e sete anos esbarrondados por sobre este corpo nada pesam no reino poético. Tal como a infância, o espírito não envelhece nem nunca se cansa. Nem tão-pouco a alma. Não em verso. A poesia modelada nessa linha arquitectónica sempre te foi muito madrasta. O livrinho com que te estreaste dá conta dessa indigência poética! Em prosa, dizem que sim, que vou encontrando, por entre o cascalho das palavras, uma flor ou pepita de ouro, iluminando a semântica da frase escurentada de seus complementos e outros enfadonhos acessórios gramaticais. Só no fundo da cratera poderei ir buscar as ferramentas para entretecer as asas desse canto e acordá-las para o magma e para o voo. Ou inventá-las para outro êxtase ainda mais pando. Lá fora, não. Faz frio e há nuvens escuras de onde cai uma chuviscada tristeza. Posso pedir-te um pouco de sonho emprestado. Sei que mo concedes, sobretudo aquele pedaço que tem partido comigo para igual aventura.

Para dois sonhos companheiros de viagem, o paraíso ou o inferno ficam sempre mais perto, com a vantagem de ao primeiro nunca se aproar, regra segura da saúde do sonho – anima-o uma febre alta, tornando-o num ente traquinas dentro da gente. Ao inferno tens chegado vezes sem conta!
(Cristóvão de Aguiar)
sexta-feira, 26 de outubro de 2007
CÂNTICO DE AMOR, POR CRISTÓVÃO DE AGUIAR
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domingo, 2 de setembro de 2007
Navegador do Mar das Ilhas - in "Mãos Vazias", de Cristóvão Aguiar - 1965
Foto: José Luis Mendes in http://www.olhares.com/Jseven
Eu, Cristóvão Colombo,
Por graça do Senhor
Navegador,
Demandei terra estranha
Ao serviço de Espanha...
Meus dedos
Navegam no mar...
Cinco barcos, cinco destinos,
Em busca da mulher
Das ilhas da memória...
Rompi mares, rompi velas
Em naus de madeira!
Sou de certa maneira
Um Colombo, navegador...
Tenho o mar das ilhas
Na poça das minhas mãos...
Meus dedos são barcos
Rompendo destinos...
Descobri terras,
Plantei padrões de pedra
No cimo das descobertas,
E tornei-me o Senhor
Dos ventos marítimos
E das naus de sal...
Cristóvão Colombo,
Por graça do senhor
Navegador,
Demandou terra estranha
Ao serviço de Espanha...
Eu, que também sou navegador
(Ou talvez ainda muito mais...)
Eu, que sou o Senhor
Do mar das ilhas da memória...
E dos ventos
E das naus
(Eu, que sou dos Cortes Reais...)
Descobri por engano
Uma terra estranha,
- Tal qual o Colombo
Ao serviço de Espanha
Cristóvão de Aguiar, in Mãos Vazias - 1965 e in Antologia da Poesia Açoriana, organizada por Pedro da Silveira, Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1977.
Poema publicado no blogue "De Viagem", gerido por Marta Dutra, em 18 de Junho de 2007.
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Secção: Mãos Vazias, Poemas
sexta-feira, 24 de agosto de 2007
MÃOS VAZIAS, Cristóvão de Aguiar - 1965
Primeiro livro de Cristóvão de Aguiar, publicado em 1965, quando ainda era estudante, antes de ser mobilizado para a Guerra Colonial na Guiné onde foi Alferes Meliciano.
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Lapa
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18:57:00
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Secção: Livros, Mãos Vazias
TANTO MAR
do qual este poema começou a nascer.
Atlântico até onde chega o olhar.
E o resto é lava
e flores.
Não há palavra
com tanto mar
como a palavra Açores.
Manuel Alegre
Pico 27.07.2006
