sexta-feira, 3 de janeiro de 2020
segunda-feira, 29 de abril de 2013
In Relação de Bordo 1964-1988 de Cristóvão de Aguiar
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domingo, 14 de abril de 2013
Coimbra, 14 de Abril de 1976
Estreia da peça A Arraia Miúda, no Teatro de Gil Vicente. Casa cheia. E muitos convidados de honra, entre os quais o próprio autor da peça, Jaime Gralheiro. Paulo Quintela lá estava, na primeira fila do balcão, seu lugar predilecto, porque dali vê o palco de cima, o que lhe dá outra perspectiva crítica da encenação, com os aleijões sobres-saindo-se mais. Muitas vezes lhe ouvi que, antes de entrar em cena, obrigava os seus pupilos do TEUC a tomar um bom cálice de vinho do Porto, que tem o condão de excitar e acalmar ao mesmo tempo, isto é, desinibe os tímidos e aquieta os exaltados. Segui-lhe o exemplo e não estou nada arrependido. Levei comigo um frasco cheio do bom e genuíno vinho fino, metade do qual bebi antes de entrar no palco e a outra metade no intervalo da mudança de acto. Quando entrei, logo após as três pancadas de Molière, parecia que caminhava num sobrado de algodão em rama, leve como uma penugem, e as palavras depois iam-me fluindo tão naturalmente, que até ia ficando nervoso de não ter ficado nervoso. A folhas tantas, estilhaçando o silêncio que caíra sobre o teatro, uma voz de criança: "Mamã, mamã, aquele ali é o papá." Era a voz do meu filho Artur, que se não conteve quando me reconheceu no meu traje impecável de Bispo de Lisboa, com mitra, bastão e saial branco com alamares e outros adornos dourados. Fomos muito aplaudidos. Depois do espectáculo, Joaquim Namorado vira-se para minha Mulher e pergunta-lhe: "Não te sentes em pecado mortal por dormires com um bispo?." Estou contente comigo. Meu Pai afinal não tinha razão, mas o pior é que o medo ficou fazendo parte de mim, nunca mais poderei expulsá-lo para sempre de minha casa.
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quinta-feira, 24 de janeiro de 2013
24 de Janeiro de 1964, in relação de Bordo 1964-1988
Janeiro, 24 – Ando em despedida contínua. Dos meus amigos, dos meus colegas de curso, dos meus companheiros de República... E já sinto saudades. Até das aulas. Eu, que nunca me encantei com a maior parte das que são ministradas na Faculdade, quase sempre uma seca, muito piores, sem comparação, do que as do meu velho Liceu, na Ilha, onde tive professores de mão cheia fico agora com pena infinita de as deixar, porque vou ser obrigado a isso dentro de dois dias. Hoje fui à última aula de inglês do Doutor Witcomb, o terror da Secção de Germânicas da Faculdade de Letras. Só quem vê as pautas das frequências ou dos exames finais poderá dar o valor ao que aí fica escrito! Andámos três aulas para retroverter para inglês o primeiro parágrafo de um texto de Branquinho da Fonseca, extraído do livro Caminhos Magnéticos. Principiava assim: "Levaram-no para um calabouço subterrâneo, de chão de laje, onde o ar parecia duma frescura agradável a quem vinha do calor lá de fora. Depois a humidade começava a repassar os ossos e cheirava mal. Entrava apenas uma réstia de luz por uma pequena fresta, junto ao tecto, que era em abóbada e pin¬gava". Três aulas para pôr isto em inglês. É obra! Mas aprendeu-se muito. Para calabouço, por exemplo, foi-nos dada uma caterva de palavras, cada qual com o seu significado exacto, conotativo e denotativo, que, segundo o professor, não há sinónimos perfeitos. Assim como para outras palavras, tais como réstia, fresta, laje... Estou a lembrar-me da sugestão do Virgílio para levaram-no, logo no princípio da retroversão: They marched him away, aventou ele. Andava com toda a certeza a ler livros policiais em inglês para pôr a língua em dia, que este ano há exame final de Língua Inglesa III, o último, uma espécie de formatura antecipada, que esta disciplina, pela sua dificuldade, vale bem todo o Curso de Germânicas. O professor gostou da sugestão, mas apressou-se a dizer o motivo por que não a aceitava. E explicou: – They marched him away dá a ideia, em inglês, de que o preso vai entre dois militares, sendo um de patente superior ao outro; e o texto nada refere acerca dos seus postos. Estes ingleses! Já o ano passado, com Mr. Till, excelente professor, humano, paciente e sabedor, acontecia por vezes o inconcebível. Pedia-nos sugestões e nenhuma das que lhe dáva¬mos era aquela que ele queria. Era sempre a outra. Um dia, levei o dicionário escondido na pasta para uma aula de retroversão. Quando nos pedia um alvitre, ia ao tira-teimas e escolhia um sinónimo. Normalmente respondia-me: It is a valiant attempt, Mr. De Aguiar, but it is not quite good English. Com o Doutor Witcomb, muda o caso de figura, não há tentativas valentes... Basta um aluno esquecer-se de um s na terceira pessoa do singular do presente, para apanhar um chumbo.
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quarta-feira, 23 de janeiro de 2013
Coimbra, August 24, 1988. in Relação de Bordo. english version.
"Coimbra, August 24, 1988 - The phone turned mute. The postman does not call, not even once. The wind does not stop. Medicine does not medicate. The headache does not wane. The sun forgot its trade and took a day off. Silence can neither be built nor can it destroy me. Music does not soothe. The newspapers scream that they do not want to be read. Hope does not flounce. The heat has cold. The cold has hunger. The hunger is thirsty. The thirst became sated. The ideas became bleached. The words became demented in a hospice of greenish mildew. The book is crisscrossed in the uterus and does not ask to be born. Friends are dying. The war is born from the innards of black gold. The children refuse to make children and leave no heirs. The daughters likewise, ditto between quotes. Poetry turned tick in a puppy’s fur. Literature got luckier and became part of a coterie. Rain forgot to get soaked. The body is a cup without any spirit of drinking. The eyes committed suicide. The mouth dropped down on the garbage. The hours do not pray. The minutes do not minute nor do they let make minutes for the draft of a dream. The sun became soiled. The frightened sky came down. The nightmare did not get frightened. The dream stopped. The eyes nodded off. The hands asked for reminiscence with interest since they do not pay default interest. The legs became pillars atop the feet. The feet asked for a truce and do not tap-dance. The tap-dance dances on a faraway floor. The faraway distance is still a part of the corseted share. Saudade is an island surrounded by you. The island came to sleep in your bed and got betrothed there. The dead do not get tired of living nor the living of decaying. Death rides a horse on the hands of the clock. The clock feigns to walk, but actually gallops. The days gasp in night horses. The night writhes in the fallen twilight. Clouds clogged our travelling roads. The journey missed the ship and stayed behind at the pier. The train does not stop at the way station that befits me. The ticket that I pulled has a false date. All dates are false; especially the anniversaries’. To anniversary is the conjunctive tense of a non-conjugated indefinite tense. I keep on waiting in front of the mirror for my mirrored image to metamorphose into your image so that I can retire into it... Love does not get tired. So be it!" CRISTÓVÃO DE AGUIAR Relação de Bordo (vol. 1). Porto, Campo das Letras, 1999, pp. 412-413.
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sexta-feira, 11 de janeiro de 2013
Contuboel, 11 de Janeiro de 1967. Relação de Bordo, diário ou nem tanto ou talvez muito mais.
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quinta-feira, 3 de janeiro de 2013
RELAÇÃO DE BORDO. 1964/1988
CRISTÓVÃO DE AGUIAR
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domingo, 18 de setembro de 2011
O Professor Doutor Teixeira Ribeiro vai ser homenageado pela Universidade de Coimbra, no próximo dia 7 de Outubro. Testemunho de Cristóvão de Aguiar, in Relação de Bordo 1964-1988. I
| Magnífico Reitor |
Coimbra, 1 de Agosto de 1974 --- Quem lança uma vista de olhos pela Imprensa Regional dá-se conta de que alguma coisa de muito importante se passou neste País de há uma semana para cá. E apesar de o calor estival convidar a um certo amolecimento da mente e do corpo, a semana que se passou foi das mais férteis em acontecimentos, tanto no âmbito nacional como no regional. O de maior relevância deu-se no último sábado, por coincidência no dia em que decorriam quatro anos sobre a morte física do velho ditador de Santa Comba Dão, em que o Presidente da República, sabe Deus com que amargos de boca, anunciou ao País que os Povos das Colónias poderiam, desde já, tomar em mãos as rédeas do seu destino, findando assim as causas da guerra que se prolongou durante cerca de treze anos. O outro acontecimento relevante foi a tomada de posse, na passada terça-feira, do novo Reitor da Universidade de Coimbra, Prof. Doutor Teixeira Ribeiro. Se a vetusta Sala dos Capelos tivesse sensibilidade teria decerto tremido como varas verdes ao ouvir o que lá se disse. Durante o último meio século, com excepção do então estudante de Direito, Carlos Candal, que, em 1961, como Presidente eleito da Associação Académica de Coimbra, ali proferiu no primeiro de Março, dia comemorativo da fundação da Universidade, um discurso notável e corajoso, as vozes que nessa venerável Sala dos Actos Grandes se fizeram ouvir eram de um modo geral monótonas, balofas, gordurosas de sapiência e onde os estudantes ¾ razão de ser da Universidade ¾ raramente a tiveram. Anteontem, porém, o Presidente da Associação Académica usou da palavra no acto solene da tomada de posse do Magnífico Reitor. Entre outras coisas foi dizendo que a "escola do futuro, se vai aproveitar os alicerces ainda válidos do ensino tradicional, não pode de modo nenhum assentar sobre as bases minadas e traiçoeiras da Universidade subserviente, dócil às exigências dos monopólios e aos caprichos do fascismo". E num solene aviso à navegação: "Aqueles que servilmente bajularam a política oficial de repressão estudantil, aqueles que puderam ocupar as suas cátedras à custa do afastamento de melhores valores intelectuais das nossas escolas, aqueles que viam na Universidade apenas um instrumento ao serviço dos seus interesses e dos seus benefícios pessoais não poderão ter mais lugar entre nós". As palavras do empossado, Prof. Doutor Teixeira Ribeiro, foram lúcidas, incisivas e claras, como é timbre do grande professor que tem sido. Agora vindas da sua qualidade de Reitor, cargo que foi sempre, salvo raríssimas excepções que confirmam a regra, a encarnação da flatulência oficial: "Não tenho ilusões sobre os muitos e agudos espinhos da minha tarefa. Mas conto com todos para me auxiliarem a cumpri-la. Conto em primeira linha com os estudantes. São eles os destinatários da Universidade e, como tais, maiormente interessados na excelência do seu ensino e no êxito da sua investigação. Espero que me aplaudam, quando entendam que procedo bem, e que me critiquem e esclareçam, quando entendam que procedo mal. Pelo que a voz dos estudantes há-de ser sempre atentamente ouvida e considerada por mim [...]". Há, de facto, algo de novo pairando no ar. Tudo se tornou mais bonito. Respira-se com mais largueza de fôlego. Súbito soltou-se a alegria das masmorras do peito para vir brincar para as ruas e praças. Os pés parece caminharem sobre um pavimento calcetado de nuvens. Seria tão bom nunca mais acordar deste quotidiano sonhar acordado!
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quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
Coimbra, May 1, 1974.
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domingo, 13 de junho de 2010
Um Livro por Semana LXXVIII. Relação de bordo, de Cristóvão de Aguiar. Faial Online, por Victor Rui Dores.
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quinta-feira, 8 de abril de 2010
Dunane, Guiné, 19 de Outubro de 1965. Guerra Colonial Interior.
Dunane, 19 de Outubro de 1965
[...] E eis-me aqui, diante de mim, nu, andrajoso, suplicante, a alma enregelada e crucificada na cruz destes dias sem nome. Nos olhos, uma fornalha de fúria e uma fome antiga não sei em que víscera, essa fome de séculos que é já grito milenário de todas as bocas em mim. Eis-me, pois, aqui, disparando bombas de palavras ao concentrado silêncio da noite. Eis-me aqui, tentando pescar estrelas no poço aberto do firmamento. Eis-me aqui, indefeso e nu, interrogando não sei que morto que vive numa parte de mim... Em frente de mim, nu e com o frio de todos os pólos, interrogo-me como se fosse réu e juiz ao mesmo tempo. E as palavras que ouço vêm da minha voz antiga, saída do mais fundo de mim, carregada de pedras e de cardos, que grita e se contorce, morre e ressuscita, e continuo, indefeso e nu, aqui em frente de mim...
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quarta-feira, 6 de janeiro de 2010
Blogues e livros, in blogue "Mau Tempo no Jornal", por Pedro Barros Costa.
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quarta-feira, 25 de novembro de 2009
25 de Novembro de 1975, in Relação de Bordo, 1964-1988, de Cristóvão de Aguiar.
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terça-feira, 7 de julho de 2009
A "Maria dos Caracóis", deu-se ao trabalho de copiar esta magnífica passagem do Relação de Bordo I (1964-1988) de Cristóvão de Aguiar.
Coimbra, 24 de Agosto de 1988 -
O telefone emudeceu. O carteiro não toca sequer uma vez. O vento não pára. Os remédios não remedeiam. A dor de cabeça não esmorece. O Sol esqueceu-se do ofício e meteu folga. O silêncio não se constrói nem me destrói. A música não apazigua. Os jornais gritam que não querem ser lidos. A esperança não esperneia. O calor tem frio. O frio tem fome. A fome tem sede. A sede está farta. As ideias embranqueceram. As palavras enlouqueceram num hospício de bolor esverdeado. O livro está atravessado no útero e não pede para nascer. Os amigos estão morrendo. A guerra nasce das entranhas do ouro negro. Os filhos não se deixam filhar. As filhas idem aspas, mas aspando. A poesia virou carraça em pêlo de cadelinha. A literatura teve mais sorte e caiu numa panelinha. A chuva esqueceu-se de se molhar. O corpo é um copo sem espírito de bebida. Os olhos suicidaram-se. A boca caiu na lixeira. As horas não oram. Os minutos não minutam nem deixam minutar a minuta de um sonho. O Sol sujou-se. O céu caiu de susto. O pesadelo não se assustou. O sonho sustou-se. Os olhos cabeceiam de sono. As mãos pediram memória a juro porque não pagam juros de mora. As pernas colunizaram-se sobre os pés. Os pés pediram tréguas e não sapateiam. A sapateia dançarilha no chão do longe. O longe é uma parte da partilha ainda espartilhada.
A saudade é uma Ilha rodeada de ti. A Ilha veio pernoitar em tua cama e lá se deixou noivar. Os mortos não se cansam de viver nem os vivos de apodrecer. A morte anda a cavalo nos ponteiros do relógio. O relógio faz que anda, mas, no íntimo, galopa. Os dias resfolgam nos cavalos da noite. A noite debate-se no crepúsculo caído. As nuvens entupiram os caminhos da viagem. A viagem perdeu o navio e deixou-se ficar no cais. O comboio não pára no apeadeiro que me coubeO bilhete que tirei tem uma data falsa. Todas as datas são falsas sobretudo as dos aniversários. Aniversariar é o modo conjuntivo desconjugado num tempo indefinido. Continuo esperando diante do espelho que a minha imagem espelhada se metamorfoseie na tua para nela me aposentar. O amor não se cansa. Assim seja!
Cristóvão de Aguiar in “Relação de Bordo” (volume 1)
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Secção: Relação de Bordo I, Textos avulsos
quarta-feira, 15 de abril de 2009
quinta-feira, 22 de janeiro de 2009
"Relação de Bordo, Cristóvão de Aguiar".
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quinta-feira, 25 de setembro de 2008
O Escritor Dias de Melo in "Relação de Bordo, diário ou nem tanto ou talvez muito mais" (1964-1988), de Cristóvão de Aguiar.


"Coimbra, 24 de Maio de 1979
[...]O escritor Dias de Melo, homem açoriano da Ilha do Pico, que trouxe para o conto, o romance, a crónica, a luta desatinada dos homens das Ilhas que formam o triângulo: Pico, São Jorge e Faial, dando dignidade humana ao homem que vai ganhando a vida e sempre a morte tanto no mar como em terra, ou em ambos, baleeiros e camponeses e outra gente sem condição, e que renegou sempre nos seus livros o turístico folclore literário -- esse escritor confessou-me na sua gigantesca humildade, numa carta sobre Raiz Comovida I: "Continuo sem encontrar palavras que lhe digam quanto Raiz Comovida me emocionou. Bastará talvez que saiba isto: o Ti Pascoal, impondo ao narrador o dever -- o compromisso -- de contar ao mundo aquelas realidades, teve influência enorme no prefácio, a que chamo "Compromisso", com que abro o meu livro Vinde e Vede [...] Mas, Cristóvão de Aguiar, Você foi mais longe do que eu. Você quebrou todas as amarras que ainda me prendiam. Regozijo-me -- sinceramente, muito sinceramente me regozijo por isso!" A Ilha do Pico, no seu mistério tamanho, ora se revelando escondendo ora se escondendo revelando-se, também tem o condão de fermentar e extravasar do peito de quem possui a estrela de a merecer instituída em seus olhos."
In Relação de Bordo (1964-1988),de Cristóvão de Aguiar, páginas 225 e 226.
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terça-feira, 8 de julho de 2008
Figueira da Foz, O MAR, Relação de Bordo 1964-1988, de Cristóvão de Aguiar.
Figueira da Foz, 22 de Novembro de 1970.
O mar. O eterno búzio da minha infância, segredando-me não sei o quê de esquecidas lembranças. Em frente dele, sinto-me aliviado. Acodem-me aventuras sonhadas noutros lugares e tempos, em que viver cabia dentro do sonho. Até o mar me tiraram.
Figueira da Foz, 27 de Fevereiro de 1977.
Primeiro fim-de-semana passado no campismo. Gostámos todos. A Natureza é milagreira. À noite, os sons vindos do mar encantaram-me. Durante tantos anos habituado a adormecer ao som embalador daquele monstro, soube-me bem revivê-lo.
Cristóvão de Aguiar, in Relação de Bordo (1964-1988).
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Secção: Relação de Bordo I, Textos avulsos
sábado, 26 de abril de 2008
Coimbra, 1 de Maio de 1974, por Cristóvão de Aguiar, in Relação de Bordo, 1964-1988.
Coimbra, 1 de Maio de 1974.
Nunca vi um dilúvio de gente desta natureza em toda a minha vida. Nem a procissão do Senhor Santo Cristo dos Milagres, que é a maior de todas as que se realizam, também em Maio, nas Ilhas dos Açores, se pode comparar com o que hoje assisti com as lágrimas rebentando-me com gostosura dos olhos cheios. Era um tejo transbordando de povo correndo da Praça da República até ao Estádio Universitário, na margem esquerda do Mondego.
Miguel Torga seguia perto de mim. Procurei ler-lhe no rosto o que lhe ia na alma. Não consegui. Mas a sua presença na grandiosa procissão cívica deu ao acontecimento uma garantia de seriedade patriótica- a Poesia e a Revolução de mão dadas pela avenida abaixo. Oxalá seja este himeneu duradouro.
Até o meu filho mais velho, o José Manuel, que tem pouco mais de sete anos, teve hoje o seu primeiro acto de emancipação doméstica- perdeu-se por entre a multidão e só regressou a casa ao princípio da noite! E estava todo contente, porque, segundo declarou, sumiu-se de propósito, porque conhecia as ruas que o podiam conduzir de regresso a casa. Quis também saborear o seu quinhão de liberdade.
Ajuizando pela multidão que seguia no cortejo de Coimbra e em todos os outros que vi, à noite, pela televisão, deu-me a ideia de que toda a gente deste País estava ansiando pela democracia. Mas não serão democratas a mais numa nação tão pequena? É já tempo de começar a desconfiar de tanta fartura.
IN CRISTÓVÃO DE AGUIAR, RELAÇÃO DE BORDO ( 1964-1988) Pag. 124
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terça-feira, 22 de abril de 2008
Coimbra, 25 de Abril de 1974, in Relação de Bordo I (1964-1988), de Cristóvão de Aguiar.


Coimbra, 25 de Abril de 1974.
Se está bom tempo como hoje vou a pé logo de manhã levar o meu filho Artur ao infantário da Universidade, que fica um pouco acima do Penedo da Saudade, mesmo ao princípio da Avenida Dias da Silva. Quero ensiná-lo, e ao mais velho também, a ser andarilho, e de pequeno é que se torce o vime. Levo-o pela mão, tentando durante o percurso responder o melhor que sei a todas as perguntas que me costuma fazer e que redobram sempre que chegamos ao prédio onde está instalado o Farol das Ilhas, Solar de estudantes universitários madeirenses, que tem à varanda uma enorme vaca de gesso e papelão, quase ou mesmo em tamanho natural. E o Artur quer por uma força saber por que está sempre ali, ao frio, se não tem caminha para se deitar, se dá leite de manhã e por que não fala como as outras da Ilha, que dizem, muuu, muuu, porquê, porquê... Ainda tem cinco anos e meio, mas já viu muitas vacas ao natural, o que vai sendo uma raridade em crianças nadas e criadas nos meios urbanos. E também conhece a melodia do Hino Nacional, porque esta manhã ao subirmos a Rua Teixeira de Carvalho, um pouco mais acima da varanda-manjedoura da vaquinha, que por vezes e através da minha voz disfarçada faz muuu, muuu, a ver se lhe aquieto a língua perguntadora—chamou-me a atenção para o facto, pois ouvíamo-lo, alto e bom som, jorrando de uma janela aberta, naturalmente das bem acesas goelas de um rádio que parecia querer transmiti-lo para a cidade e seus arredores. Logo o meu filho quis saber por que razão tocava o hino, se havia festa no infantário. E então, na minha inocência, inventei-lhe uma história em que metia um ministro e alguns bombeiros, numa inauguração de um chafariz e de um urinol com casa de banho privativa, onde o senhor ministro fez cocó para inaugurar a sanita e que, além disso, o Presidente Tomás havia estado na véspera ou antevéspera em Coimbra, e não estava mentindo, para ver se tudo se encontrava bem inaugurado, por isso é que havia hino, et cetera e tal. Com certeza que ficou satisfeito com a minha explicação, porque não me perguntou mais nada. Logo depois, ao virar da esquina para a Dias da Silva, entreguei-o no infantário e segui o meu trajecto para a Universidade, sem maldar de nada. Vim pelo caminho entretido comigo mesmo, como é meu costume: viajando pela Ilha que trago comigo, enquanto me consolava a tragar os primeiros cigarros da manhã no jardim em frente do Liceu, muito antes de tocar a sineta do senhor Tavares ( deixei de fumar há três meses e cinco dias, por isso estou sempre sonhando com umas tragaças bem puxadas), que eu chegava de véspera à cidade, a cavalo na camionete da carreira, a primeira que passava às sete da manhã na freguesia. Meu pai tinha medo que a dos estudantes, quase uma hora mais tarde, às vinte para as oito, chegasse atrasada à cidade e eu faltasse à primeira aula, e ele tinha horror a pessoas faltosas. Só quando cheguei ao Edifício das Matemáticas é que aterrei na realidade, porque dei conta de que havia qualquer coisa de novo no ar, muita gente junta cá fora, num quase alevante e o edifício encerrado. O senhor Pelicano, que de certo me viu com cara de quem andava a leste, adiantou-se do magote e veio para mim de braços abertos e anunciou-me a boa nova de uma revolução em Lisboa, mas ainda se não sabia ao certo de que lado é que vinha, se dos ultras, se da esquerda. Desconfiei que nada de bom seria, porque ainda nem há um mês se dera a revolta das Caldas, que fora prontamente abafada. Nessa expectativa e com uma ténue esperança bichanando-me, abalei logo dali, quase a correr, em direcção ao Emissor Regional de Coimbra, onde cá fora se havia aglomerado um ror de curiosos ávidos de notícias como eu.

Encontrei o Nogueira e Silva, meu camarada em Mafra e na Guiné, que me garantiu que o movimento era de esquerda ( sempre bebeu do fino!), só o que se não sabia ao certo era se vingava ou não, mas, segundo lhe tinha constado, havia fortes e fundadas esperanças de êxito. Pedi logo um cigarro para celebrar e apaziguar os nervos, que emoções fortes sem nicotina sabem a pouco. Já muito depois do meio-dia, quando, em Lisboa já estava tudo bem encaminhado e detidos os dois mais altos responsáveis, foi lido, aos microfones do Emissor Regional, para começar a haver humor na revolução nascente, um comunicado oriundo do Governador Civel, jurando fidelidade da cidade de Coimbra e do seu Povo ordeiro ao Governo legítimo da Nação, estando garantida a paz e a ordem pública em todo o distrito.

Este dia foi tão rico em emoções e contra-emoções, que, somadas e bem condutadas, dariam pela certa para muitos meses de vida bem vivida. O maço de cigarros que acabei por ir comprar é que não chegou para o resto do dia! Lá se me quebrou a jura que fizera comigo mesmo. Seja tudo por amor da revolução e por ( des) alma do regime que foi derrubado.
IN RELAÇÃO DE BORDO I (1964-1988), de CRISTÓVÃO DE AGUIAR, Págs. 120 a 122.
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Secção: COIMBRA, HISTÓRIA DE PORTUGAL, Relação de Bordo I, Textos avulsos
TANTO MAR
do qual este poema começou a nascer.
Atlântico até onde chega o olhar.
E o resto é lava
e flores.
Não há palavra
com tanto mar
como a palavra Açores.
Manuel Alegre
Pico 27.07.2006







