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sábado, 28 de agosto de 2010

PELA ILHARGA ESQUERDA – SOBRE A ESCRITA DE CRISTÓVÃO DE AGUIAR, A PROPÓSITO DE CÃES LETRADOS, por Carlos Alberto Machado

PELA ILHARGA ESQUERDA – SOBRE A ESCRITA DE CRISTÓVÃO DE AGUIAR,

A PROPÓSITO DE CÃES LETRADOS1

por Carlos Alberto Machado

AS PALAVRAS

As palavras armazenam-se como ladrões maduros

São flexíveis à memória são marinheiros em terra

Acontece dizer: levantem-se e caminhem

Mas quem somos e que hábito envergamos?

As palavras entontecem

Quando dispersas levantam rumos vários.

Zeca Afonso, Poemas e Canções

I shall never get you put together entirely,

Pieced, glued, and properly jointed.

(Nunca conseguirei juntar-te todo,

compor-te, colar-te e unir-te devidamente.)

Sylvia Plath, The Colossus (trad. Maria de Lourdes Guimarães)

[embaraço]

Falar de alguém. Falar sobre o que alguém escreveu. Em público. “Sempre que alguém me faz essa intimação fico sem saber aonde pôr as palavras. (…) Não sei onde as pôr. Rodo-as, camponesamente, entre as mãos, como o aldeão ao chapéu em casa de gente de cerimónia.2” Mas avanço. Fecho os olhos e avanço com uma voz inventada, “em punhal, de encontro ao lugar comum do peito, a ilharga esquerda.3” Nossas debilidades – ou fortalezas.

[inquirição]

Não irei “inquirir acerca das [suas] origens, das raízes que [o] fascicularam pela vida fora. De como foi possível arrancá-las e carregá-las depois na carroça de outro destino. Se houve ou não uma raiz literária que [lhe] deslavou a vida com metáforas…4”

1 Editora Calendário, 2008.

2 M/CS: 168-169.

Aconselho já os leitores a não se preocuparem em seguir as origens das chamadas para notas de rodapé, pois apenas distraem a leitura, que se quer proveitosa – a esmagadora maioria delas são, como se explicará, de Cristóvão de Aguiar.

3 M/CS: 164.

4 PT: 171.

Não. Escolhi o fascínio de viajar pelas palavras de Cristóvão de Aguiar – e é esse fascínio que desde logo afasta qualquer intento bisbilhoteiro. Empreendo a viagem, humildemente, com a esperança de poder sentir o que de outro modo seria impossível sentir: os encontrões inadvertidos das suas palavras, as suas lâminas ainda demasiado afiadas e a sua dureza rude – as suas palavras ainda antes de serem matéria narrativa, as palavras antes de (aparentemente) estabilizarem no devir das linhas paralelas de um texto.

[ideias]

Sinto que neste preciso momento devo partilhar convosco umas poucas ideias que hão-de evoluir por aí abaixo e, a modos de jangada, nos manterem à tona do entendimento: – a escrita não é encarada como “distracção”, divertimento” ou “habilidade circense”, para isso, procure-se na Internet um qualquer “professor Marcelo”; – “Por trás de cada linha ou verso escrito, muita dor sublimada se encontra latente. E sacrifício. E sofrimento.5” A escrita de Cristóvão de Aguiar exige dele, então, dor e sacrifício – mas não necessariamente do leitor, pergunto? “Quem escreve, disse alguém, escreve-se. (…) Recria-se a partir do intimamente vivido. Ou do revivido, ainda com mais intensidade, na arena de desforço onde a memória aguça e esgrime as suas armas de ataque e de defesa…6”; a memória, ainda: mesmo para haver algo de novo a dizer, é preciso “que se desça aos infernos do íntimo e se escarafunche o que lá possa haver (e há) de original, no sentido de que é só nosso.7”; - e, tão importante, o esforço persistente à procura da perfeição inalcançável, demanda sem descanso, polindo “cada palavra ou frase que consert[a] na bigorna da perseverança. E da paciência.8”

5 T: 15.
6 T: 15.
7 T: 15.
8 TT: 97.

[a procura da perfeição]

Retomo: Cristóvão de Aguiar diz-nos quase até à exaustão: a escrita é coisa de causar “instantes de um prazer rasante à dor”9. Não se trata aqui, obviamente, de querer elevar o acto criativo a coisa divina, de considerar a escrita como matéria exclusiva de eleitos ou de iluminados. Não. Cristóvão de Aguiar sabe, como poucos, do que se trata: de uma procura daquilo que sabemos, tragicamente, não se poder alcançar – é o que nos diz, por palavras semelhantes, Eduardo Lourenço, a propósito de uma possível definição de poesia e da sua inevitável tragicidade. Cristóvão de Aguiar, artesão honesto e honrado do dizer escrito, não pode deixar de o saber e de o sentir, e de o dizer descarnadamente: “Penélope desfazia para enganar os pretendentes. Eu para iludir o tempo e procurar uma perfeição que nunca se deixa apanhar. Situa-se sempre um pouco mais além.”10. Marca maior da sua escrita é a que releva da sua consciência aguda de ser uma nova “Penélope de pacotilha11”, nesse interminável fazer e desfazer os fios da vida e da escrita, em “constante dobadoira a remendar e a estraçoar os livros que componho com muito trabalho e suor” – palavras suas12. Uma luta “agónica para atingir a perfeição da escrita”, como acentua Eloísa Alvarez, na apresentação de A Tabuada do Tempo.

[afectos]

É agora o momento de dizer que Cristóvão de Aguiar, ao mesmo tempo que expõe e se expõe no labor miudinho de entrelaçar vida e literatura, demarca-se com clareza dos “marajás da crítica13”: “só eu é quem sabe as linhas com que coso ou cozo a minha escrita…”14. Por vezes é preciso dizer as coisas com os nomes certos: “Os escritores passam a vida, por via da inspiração, a roer em público o plástico traseiro da esferográfica. Os críticos fazem os seus biscates semióticos, e acabam por publicar autênticas peças sinfónicas em si maior – a chamada crítica em si.15”

9 TT: 318.
10 TT: 97-98.
11 CL, Nota Prévia: 9.
12 CL, Nota Prévia: 9.
13 Eduardo Lourenço, “Ficção e realidade da crítica literária”, in Eduardo Lourenço, O canto do signo. Existência e
literatura (1957-1993), Lisboa, Presença, 1994: 15 [A situação do crítico pareceu-se durante séculos à do marajá caçando o tigre real do alto da torre confortável e segura de um elefante.]
14 CL, Nota Prévia: 9.
15 PT: 162.
Num pequeno texto da década de cinquenta, Maurice Blanchot16 reflecte sobre a necessária impureza da crítica e em como nessa impureza se revela justamente a sua razão de ser. Se as obras são de uma infinita solidão, como dizia Rilke, nada há de pior para elas do que a crítica ao chamar a atenção sobre as obras, ao fazê-las sair desse ponto de fascinante discrição onde elas se formaram e onde gostariam de se fechar, ao abrigo de toda a curiosidade pública. Mas a crítica é uma força que passa rápida e na força da sua soberania introduz, sem precauções, as obras nas mãos do mundo. A essência do crítico moderno é ele estar ligado ao instante, à acção, ao quotidiano fugitivo, à instantaneidade. O crítico não deve ter arte própria nem talento pessoal, ele não deve ser o centro. É certamente um olhar, mas um olhar anónimo, impessoal, vagabundo. A obra, na sua intimidade fechada, é ciumenta, desejosa de negar o exterior: a tarefa da crítica não pode deixar de ser a de seu antagonista. Mas para contrariar a obra de arte, a crítica deve ao mesmo tempo aproximar-se dela, de a compreender, de a trair, não porque não a compreenda, mas exactamente porque ela é um esforço muito grande de compreensão. Mas a interpretação mais fiel é também a mais infiel, porque ele expõe completamente a obra à verdade do dia banal quando a natureza da obra é a de escapar à verdade.17 No fundo, aquilo que é a verdade da obra é inalcançável ou não existe. Como sublinha Eduardo Lourenço, o “(…) discurso dos outros só se aproximará da verdade da obra se tomar consciência da sua impossível formulação da verdade, ou da sua nãoverdade essencial”.18
Isto ajuda-me a dizer que nesta “apresentação”, como já se deverá ter percebido, não assumo o papel do crítico todo-poderoso, do crítico dono-da-verdade. Contudo, falar de alguém ou de uma obra é sempre um falar-sobre. Ora, este falarsobre assume também ele o risco da interpretação, o risco de dizer, mesmo sem o dizer: isto quer dizer aquilo. Como a ultrapassagem ou a fuga a este estigma será improvável, há quem escolha, como eu, dizer claramente duas coisas: a primeira, é a 16 Maurice Blanchot, «La condition critique», in Trafic, Revue de Cinéma, Paris, nº 2, Printemps 1992: 140-142. O texto foi originalmente publicado em L’Observateur, nº 6, de 18 de Maio de 1950. 17 Extracto do meu livro Teatro da Cornucópia. As Regras do Jogo, Prefácio de Alexandre Melo, Lisboa, frenesi, 1999.
18 José Gil, “O ensaísmo trágico”, in José Gil e Fernando Catroga, O ensaísmo trágico de Eduardo Lourenço, Lisboa,Relógio D’Água, 1996: 14. de que se está a falar de uma obra ou de um autor de quem se gosta – o que desde logo afasta qualquer máscara de “imparcialidade”; portanto, já fui, e serei, “parcial”,
é, pois, uma questão de afecto; a segunda, é que este falar, mesmo a “favor” do autor e da obra, é sempre um falar de um indivíduo que, como defende António Pinto Ribeiro, está historicamente situado, porque “toda a escrita sobre arte (…) é sempre determinada pelo local e pela época precisos em que é produzida, ou seja, deriva do ‘estado do sítio’ em que historicamente aconteceu.”19. «O que transportará consigo (…) o escritor que escreve sobre objectos ou situações de arte? Tudo o que ele próprio é e tudo o que sabe. Transporta consigo um conjunto de dados, determinados pontos de vista, um número limitado de preconceitos, algumas estratégias de análise o sexo, a sua sexualidade, algumas crenças (…).”20; portanto, este escriba que aqui hoje vos fala da obra de Cristóvão de Aguiar é um ser, como todos nós, sujeito às mesmas boas e más consequências de estar vivo e estar vivo num determinado local e numa determinada época. Por isso… Então, o que para trás ficou dito e o que se seguirá é, tão só, um testemunho de leitura – valha isto o que valer – e um desafio de partilha: muito de que aqui vos digo é dito através das palavras concretas de Cristóvão de Aguiar. Como alguém disse, a melhor crítica de um texto é o mesmo texto dito em voz alta.

[maravilhamento]

Os obras de Cristóvão de Aguiar são de uma enorme riqueza vocabular – que não se restringe ou deixa armadilhar em regionalismos, tenham eles deitado raízes atrás dos séculos ou não –, de muito variadas fontes, e passadas pelo filtro finíssimo do homem que sempre considerou “a escrita [como] a única maneira válida de [s]e apresentar documentado na vida.21” Mas este rico e variado universo vocabular nunca por si só faria literatura. O que seguramente aí nos atrai e maravilha é a desconcertante variedade de danças com que esse mundo imenso de palavras nos brinda, um aluvião de combinatórias que têm também o condão de evitar mostrar-nos os seus modos de fazer, 19 António Pinto Ribeiro, «Novas lógicas, novos sentidos», in Maria de Lourdes Lima dos Santos (coord.), Cultura e economia - Actas do Colóquio realizado em Lisboa, 9-11 de Novembro de 1994, Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, col. Estudos e Investigações, nº 4, 1995: 91-96.

20 Idem, pg. 91.
21 RL-I: 304.

os seus esqueletos ou ossaturas – mas não evita, para nosso prazer, de mostrar a sua presença como distanciamento irónico, como por exemplo naquele que é para mim uma obra notável de inventividade, Passageiro em Trânsito: “(…) Afrânio (…) esgueira-se com certeza para as linhas desta escrita.” (33); “(…) tenciono ainda apanhá-lo no alto mar, se o tempo e a prosa estiverem de ficção.” (102). “(…) Agora vou puxar o senhor Afrânio padrinho para dentro do rego desta história.” (103) Resistindo, então, à vaidade de nos mostrar as suas habilidades construtivas, Cristóvão de Aguiar dá-nos em oferenda fluxos de palavras sem sobressaltos, dorsos nem sempre dóceis de sons e sentidos que nos impelem a viajar para espaços de ser até aí sequer imaginados. Mas surge sempre uma ocasião em que um pequeno escolho interrompe a marcha e então voltamos atrás para refazer caminho – que nunca se repete. E a cada regresso os trilhos aparentemente conhecidos fazem-se outros. E depois de muito caminhar cada palavra torna-se uma pedra em que nos refazemos e refazemos o mundo. E depois ainda deixamos de saber afinal que “história” ele estava a contar-nos e é então quando se dá em toda a sua magnificência o “alumbramento” da palavra, quando ela tem o atrevimento de querer ser, na qual e pela qual a vida se dá a partilhar.

[a construção de si]

Cristóvão de Aguiar desce “aos seus infernos do íntimo” e lá “escarafuncha o que lá é mais original”, no sentido do que possa ser apenas seu. Tal como Dom Quixote desce à caverna de Montesinos e de lá sai, vitorioso, com uma “história” que é só sua, assim faz Cristóvão de Aguiar quando desce ao seu “inferno íntimo”22. Embora aos olhos dos incrédulos “sanchos” estas “histórias” possam ser alucinações ou mentiras, o que é certo é que as “histórias” de ambos são na verdade absolutamente verdadeiras. E são-no porque pertencem a um outro patamar, a outra natureza, aquela que advém de uma paciente, e tantas vezes dolorosa, fabricação de si mesmo. Um homem – Miguel de Cervantes ou Cristóvão de Aguiar – elabora milhares de páginas escritas que mais não são que um processo de criação e de união de pontos que apenas no fim da obra justificam um nome. Cervantes no Dom Quixote não criou a figura, “Dom Quixote”, 22 Creio que Cristóvão de Aguiar é, aliás, leitor assíduo de Cervantes e do seu Quixote: ver por exemplo: TT: 73. mas sim a figura “Miguel de Cervantes”, tal como Cristóvão de Aguiar faz desde a primeira Relação de Bordo até a A Tabuada do Tempo – apenas para referir a sua escrita diarística, mas que a ela não se restringe. Com todos os livros que escreveu, não é apenas o trabalho laborioso da escrita em busca de uma impossível perfeição – de escrita e de literatura. O que sempre demandou, e ainda demanda, creio, é a sua própria (impossível) perfeição como ser humano, como homem. Mas isto não no sentido de algum dia vir a descobrir quem (na verdade) é, como se se tratasse de um tesouro ciosamente escondido por Deus, não. Não é um “procura-te e encontra-te”, ou um encantatório jogo infantil de “escondidas”, não. Trata-se, pelo contrário, de um processo de construção, no qual são usadas matérias bem à mão de semear: as palavras e a memória, mas uma memória que não se limita a rondar escaninhos mais ou menos obscuros do passado e a reavivá-los, mas uma memória que opera processos recombinatórios do vivido, os escolhe e monta e remonta sob um prisma que não é apenas devedor de uma hipotética verdade pessoal (e, no caso de Cristóvão de Aguiar, familiar). Imaginemos que a nossa vida certo dia se fragmentava em milhares de minúsculos pedaços e que nos era oferecida uma derradeira possibilidade de voltar a fazer deles um ser – de preferência cada um de nós mesmos em “versão aperfeiçoada”... – isto é, algo que de alguma forma voltasse de novo a fazer sentido. Sem livro de instruções – apenas Deus tem o seu e usou-o para fazer o mundo – que ou quem nos guiaria nesse empreendimento? Juntar às cegas os pedaços? Ao acaso? Cristóvão de Aguiar resolveu seguir outra “instrução”: a cada pedaço colou um nome, uma palavra; depois, foi experimentando juntar cada destes pedaços uns a seguir a outros, experimentou sequências curtas e longas; repetições; retornos; alguns pedaços foram abandonados ou desperdiçados, outros alcandorados a chaves-mestras das sequências de nomes e palavras, algumas delas novas, outras com novos usos que as posições relativas lhes ofereciam. Muito tempo demorou ele a fazer nova configuração dos fragmentos estilhaçados da sua vida – provavelmente ainda e sempre incompleta. Ou com tantas faces quantas lhe pode oferecer cada volta completa da roda de oleiro.

[obsessões]

Não gostaria de lhe chamar obsessões, mas por vezes parecem-se com isso. Algumas delas foram já afloradas, tais como a busca da perfeição, a busca da sua própria construção (ou a sua identidade, se se quiser), e a sua relação com a crítica. Acrescento à digressão uma espécie de montagem com as palavras do autor – as suas obsessões ou inquietações –, extraídas daquela espécie de oficina de escrita que é toda a sua produção diarística: o escrever-se com a plasmação da sua memória (de elefante); o incansável labor sobre a matéria palavra (rigor, precisão, esforço, dor, angústia, depressão, júbilo…).
Permitam-me chamar aqui uma voz que o próprio Cristóvão de Aguiar convoca para o seu primeiro Relação de Bordo: o poeta Joaquim Manuel Magalhães. É, para mim, este belíssimo poeta que, de tudo o que li sobre o nosso autor, aquele que, precisamente como poeta, isto é, como cúmplice da escrita, mais luz nos oferece para ler Cristóvão de Aguiar ainda com mais prazer. Diz ele – e desculpem-me a citação longa: “Um romance que parta da ligação entre um local de comportamentos e um contínuo fluxo verbal, desenfreado de memória, enternecido de situações e carregado de um ritmo transbordante não podia deixar de agradar mesmo a quem não lê um romance a não ser com uma certa distância. Fascinou-me muito mais o seu romance que Casas Pardas da Velho da Costa ou Directa de Nuno Bragança. A sua “istora” (termo sedutor) de reminiscências é muito importante. Deixe-me acentuar três pontos: – lembrou-me o António Manuel Pires Cabral a sua “matança” açoriana. Lembrou-me porque gostei muito de ambas; a emigração, dada sem demagogia nem complacências, antes como ir-se embora, com a consciência dos limites económicos duma colectividade; – a poesia narrativa dos corpos, dos desejos, das células familiares. – O processo: um encadeamento, menos narrativo que designativo da situação; quero dizer, o que conduz a istora não é um enredo, mas impulsos organizados a partir de momentos da memória, ligado sempre a situações sociais e comportamentais.”23 “Sinto pavor à morte.24”, diz Cristóvão de Aguiar. E quando a sua avó Hermínia ainda em vida se despede dele como se estivesse morta, ele fica “sem saber onde pôr as
23 RL-I: ???.
24 RL: 310.
palavras (…).25” Toda a sua escrita está marcada desde muito cedo, aliás, por este pavor, como ele próprio regista em nota de diário datada de 7 de Abril de 1965, quando escreve sobre a sua intenção de publicar o seu primeiro livro, de poemas: “(…) se morrer na guerra fico com descendência.26” (o livro, entenda-se). “Sempre tiveste um medo pânico da morte.27”, diz, mais tarde, de si para si.
O sofrimento de Cristóvão de Aguiar não é, seguramente, motivo de autocomiseração ou de exibição gratuita, mas não pode nunca deixar de gritar quando a dor lhe dói, e, quando alguma vez deixou de a passar a escrito, vem o inevitável queixume: “(…) talvez tivesse ficado com menos agrafos no corpo e decerto menos agravos na alma.28”
Para Cristóvão de Aguiar, escrever é na verdade um modo de se resolver,29 e é deste modo que ele o exprime: “(…) o modo de te resolveres por escrito (…)”. Que é como quem diz, uma espécie de renascimento. Como creio que já vos disse, em Cristóvão de Aguiar trata-se sempre, ou quase sempre (é preciso ter cuidado com as certezas), de uma eterna renovação: “É urgente reconstruíres-te. Trasfegares-te como teu avô fazia ao vinho novo. Desentulha-te dos montes de destroços e ruínas que te impedem o acesso à unidade original, à clarividência dos gestos, à limpidez da entrega. O melhor é escreveres-te. Necessitas de palavras. De muitas palavras em brasa, amadurecidas, capazes de te limpar de uma vida que se te azedou. Colhe o fruto sazonado que o tempo põe todos os dias ao teu alcance…30” O seu ofício é um “ofício de trevas31” E a divisa de Goethe poderia ser a sua: “Se tens um monstro, escreve-o.32” Para ele, “Escrever é um acto solitário, de introspecção profunda (…) não se compadece com o sol brilhante da chamada felicidade. Exige, sim,25 RL-I: 38. 26RL-I: 39. 27 T: 17. 28 TT: 195, sobre dever ter escrito há mais tempo sobre a sua dor da ausência do filho mais moço. 29 RL-I: 308. 30 T: 23-24. 31 RL-II: 110. 32 RL-II: 150. um estado psíquico de penumbra, situado entre a saúde e a doença, entre a mágoa e uma alegria meio triste. Era este o estado tranquilo que eu gostava de alcançar.33”, um “(…) estado de doce tensão interior (…)34” Apesar da sua persistência, não são poucos os momentos de desânimo, na sua procura incessante de perfeição: “O que tenho andado escrevinhando neste caderno mete-me nojo. Aliás, tudo quanto tenho feito ultimamente em matéria de escrita me desgosta.35” E nos piores momentos “Cresce-[lh]e a alma de um só lado.36” “Já não tenho que escrever. Fui esgotando o que julgava haver em mim depositado, à espera de uma inteligência que lhe desse uma ordem, um rumo, um vazão. Mas, também ela, me tem sido curta e madrasta – não lhe soube dar o uso e o óleo que ela requereria. E as coisas, como se sabe, embotam e embrutam por falta de serventia.”37 E desabafa: “(…) nunca acerto com a justa medida.38” “O ofício da palavra rende pouco e dá suores de aflição. Trabalhar. Trabalhar.39”
Não será estranho ouvir dizer a alguém tão perfeccionista: “(…) tenho pavor às palavras. Não sei se sabes que elas têm o condão de transfigurar coisas e criaturas. Bafeja-as de um sopro de vida verdadeira, transformando-as em seres de um outro mundo mais real e plausível do que este. Só de íntimo lavado e de ânimo aquecido consigo abeirar-me da palavra, quer para lhe rasgar o ventre, arredondar-lhe o corpo, afiar-lhe os gumes e os cumes, quer ainda para com ela travar uma luta, a que, não raro, só os alvores da madrugada vêm pôr ponto final. Nunca para adulá-la, porque, se o silêncio é de ouro, de mais valioso ouro será ainda a palavra gerada, amadurecida e parida na maternidade do verbo.”40

33 TT: 88.

34 TT: 78.

35 RL-I: 325.

36 RL-II: 106.

37 RL-II: 72-73.

38 TT: 37.

39 TT: 304.

40 RL-I: 340.

Cristóvão de Aguiar sabe que “(…) não po[de] negar que, por vezes, encontr[a] na escrita uma certa paz interina. Mas dá-[lhe]e também muita guerra…41” “Por trás de cada linha ou verso escrito, muita dor sublimada se encontra latente. E sacrifício. E sofrimento. Claro que já sofreste. E a maduridade e a distanciação? Quem escreve, disse alguém, escreve-se. (…) Recria-se a partir do intimamente vivido. Ou do revivido, ainda com mais intensidade, na arena de desforço onde a memória aguça e esgrime as suas armas de ataque e de defesa… (…) Exageras… Há sempre alguma coisa nova a dizer. É mister que se desça aos infernos do íntimo e se escarafunche o que lá possa haver (e há) de original, no sentido de que é só nosso. Tudo isto leva tempo, muito tempo. Tens de atravessar vastos desertos, sofrer muitas angústias, derramar suor em abundância. (…) Nada te detém quando galopas à garupa da imaginação e da fantasia.
Desde que te fervilha um poema ou uma história, pedindo forja, grosa e o demais ferramental com que a escrita se afeiçoa (…).42” Mas é “Caprichosa, a escrita. Deleita-se em vingar-se de quem dela se abeira de coração inseguro e de mãos limpas.43” Pacientemente, embora às vezes se sinta “(…) enjoado do mar encapelado em que a escrita se transforma (…)44”, Cristóvão de Aguiar persiste no seu trabalho interminável “de coligir, podar e limar centenas de páginas (…)45”, de as “ir colocando, obedientes, dentro do sistema nervoso da frase.46”, labor que noutras ocasiões parece descoroçoante: “(…) seis magras páginas em sete horas e picos de severa aplicação (…)47”; “Aqui em frente do ecrã do computador há não sei quanto tempo e sem conseguir pescar uma palavra das muitas que sinto correr pela ribeira que nasce e desagua em mim.48”; “[um dia em que] (…) só escutei as minhas vozes de dentro, quase sempre muito exigentes e duras comigo, não têm a mínima condescendência nem transigem um cisquinho no que diz respeito ao trabalho de escrita e a outros pontos da gramática de viver.49”

41 TT: 195.
42 T: 15.
43 TT: 17.
44 M/CS: 171.
45 TT: 74.
46 RL-I: 262
47 TT: 111.
48 TT: 72.
49 TT: 96.

[este livrinho]

“Os textos que compõem este livrinho, que ora vos apresento, foram extraídos, com ligeiras alterações, de vários livros meus [boa parte deles, por exemplo, d’A Tabuada do Tempo e de Ciclone de Setembro] onde essas histórias sobre cães e cadelas se encontram — os inseparáveis e afectuosos companheiros da minha infância e juventude.”50. Esta pequena declaração de Cristóvão de Aguiar pode servir-nos como guia de leitura de toda a sua obra. Em poucas palavras direi que se trata do complexo entrelaçar, quase promiscuidade, entre a escrita dita diarística e a escrita de ficção. É sempre Cristóvão de Aguiar homem/escritor que nesses dois registos se encontra e desencontra. De tal maneira e tão radicalmente o faz que diria que, com essa atitude, é a própria fronteira de géneros que se esbate, ou, num certo sentido, se clarifica e aprofunda aquela que para muitos é a mais forte possibilidade (ou validade) da narrativa ficcional: a implicação autobiográfica como derradeira possibilidade. Esta perspectiva, sobreleva e arrasta outra questão, que é a da tendencial anulação de fronteiras entre o real e o ficcional, isto é, de fazer derivar a diferença para outro patamar, onde são bem distintos os valores em causa, como seja, por exemplo, a possibilidade de considerar igualmente o real sensível como algo que se constrói autoralmente, e, assim, ser possível modelar o experienciado e o imaginado com as mesmas regras que a ficção utiliza.
Isto que parece apenas teoria é absolutamente claro na prosa de Cristóvão de Aguiar. Hei-de dar-vos um exemplo no final destas notas quando vos ler um trecho de um dos seus livros e vos convidar a reflectir a que tipo de obra do autor ele pertence. E acrescento ainda isto, que é claro e público: o primeiro Relação de Bordo, livro em jeito de diário que relata os anos 1964-1988, foi pacientemente escrito nos finais da década de 1990, com o auxílio da sua prodigiosa memória, de notas de época, cartas e, acrescento eu como óbvio corolário, do uso da mesma oficina em que se fabrica toda e qualquer ficção. “A minha escrita tem de ser coada pela memória afectiva.51” “Tenho de facto facilidade em me transportar a outras épocas da minha vida
50 CL, Nota Prévia: 10.
51 RL-II: 42.

e revivê-las quase com a mesma intensidade com que as vivi. Basta-me um incentivo que incendeie a memória.52”, diz-nos o autor com toda esta clareza. Os diários ou quasediários Relação de Bordo I e II, Nova Relação de Bordo e A Tabuada do Tempo são exemplares e eloquentes. Tal como as ficções Passageiro em Trânsito, Trasfega e Ciclone em Setembro. Podemos talvez dizer isto: Cristóvão de Aguiar é tão verdadeiro nuns como noutros livros. E a literatura ficcional é tão excelente tanto nuns como noutros. Ele sabe que as suas razões são “(…) razões que, por serem imaginadas, correm o risco de se tornar verídicas…53”
Os contos de Cães Letrados são, como disse, extraídos de vários livros do autor: e não errarei muito se afirmar que mais de metade destas pequenas ficções pertencem…aos seus livros ditos não ficcionais – os diários. Quem leu os livros anteriores só tem a ganhar em ler esta sequência – como nova. Aos leitores que só agora chegam ao mundo de Cristóvão de Aguiar, Cães Letrados é um saboroso aperitivo, recheado de bons sabores e bem nutrientes! Os contos podem agrupar-se em dois latos conjuntos: um, integra as estórias que o autor nos diz que vivenciou (mas só ele saberá a verdade – ou não…); outros, em que os cães são vestidos com um pêlo mais alegórico e por aí ironizam com figuras (supostamente não caninas) – cães polícias e polícias cães, cães universitários… – que todos podemos facilmente reconhecer no nosso quotidiano. Para Cristóvão de Aguiar, os cães têm sido “(…) povoadores de solidões acumuladas.54” Boa companhia, portanto. E agora, peço a vossa atenção para o trecho de que vos falei.

[prazer rasante à dor]

“A vontade de escrever sentida não me é bissexta como a escrita; só quando, nos anos do rei, executa a dança do ventre me caem todas as defesas: deixo então de lhe resistir e fico nela enleado como aranhiço em sua própria teia; nesses instantes de um prazer rasante à dor, sinto-me mais rente a mim e acareado por ela (…), atraindo-me
52 TT: 74-75.
53 T: 77.
54 NRL: 211.
para jogos preliminares do banquete dos sentidos que se vai seguir; não sei deslindar qual deles será o mais cativante, talvez ambos, assim como se torna impossível delimitar as fronteiras dos moldes em que será vazada a massa ígnea com que vou lavourando as palavras para se transfigurarem em magma e escrita, ou escrita de magma, cada extrema crescendo para a vizinha, invadindo-se reciprocamente, derriçando-se ou eriçando-se, acasalando-se por amor raramente espúrio, rumo a uma  nebulosa cada vez mais espapaçada de sombra na qual só cabe a morte total de todas as balizas entre suas terras comarcãs. Cuidado, porém: a morte traz no peito uma carta de alforria, no sítio exacto da cicatriz ficada do recontro; nessa sintonia vai originar-se uma ressurreição seguida de outro aniquilamento, e assim por diante, até a nebulosa se tornar no cerne de toda a escrita, sem castas nem marcos, sem sentinelas nem espias.55”

Lajes do Pico, 17 de Dezembro de 2008

ABREVIATURAS DA OBRAS DE CRISTÓVÃO DE AGUIAR UTILIZADAS:
CL = Cães Letrados, s/ l., Calendário, 2008
M/CS = Marilha (Ciclone de Setembro), Lisboa, Dom Quixote, 2003
NRB = Nova Relação de Bordo, Lisboa, Dom Quixote, 2004
PT = Passageiro em Trânsito, Lisboa, Salamandra, 1994
RB I = Relação de Bordo (1964-1988), Porto, Campo das Letras, 1999
RB II = Relação de Bordo II (1989-1992), Porto, Campo das Letras, 2000
T = Trasfega, Lisboa, Dom Quixote, 2005
TT = Tabuada do Tempo, Coimbra, Almedina, 2007
55 TT: 318.

CARLOS ALBERTO MACHADO, poeta, dramaturgo e ensaísta

sábado, 8 de agosto de 2009

Apresentação em Bucareste e na Maia de "Cães Letrados", de Cristóvão de Aguiar. (Calendário, 2008)


Rumo a uma tipologia canídea…

Revisitemos as palavras de Eloísa Alvarez (porta-voz do Júri do “Prémio Literário de Miguel Torga”), transcritas no “Prólogo” de A Tabuada do Tempo; a lenta narrativa dos dias: “A aparente insignificância de cada ins­tante do dia ou da noite é transcendida por Cristóvão de Aguiar com a paixão de quem vive esses momentos como se fossem os últimos, os decisivos da sua vida: ungindo-os - como se de um feito religioso de tratasse - com o amor, numa sacralização invasora que inclui quer o erotismo referido a Ela, quer o humanismo com que contempla o Outro, um Outro que, além de incluir o Homem, contempla também os bichos […].” (Coimbra, Livraria Alme­dina, 2007: 11).

E é, com efeito, de bichos que se trata, não de Bichos, de Miguel Torga (ao qual o professor, o escritor, o novelista e o linguista não raro rende preito), mas tão-só de cães, esses “inseparáveis e afectuosos companheiros” da infân­cia e juventude do Autor (2008: 10). Se nos detivermos, aliás, no título desta belíssima antologia - Cães Letrados -, revelando à saciedade a feliz osmose entre canidade e humanidade, se atentarmos nas três epígrafes de Jean Genet, de Simone de Beauvoir e de Victor Hugo, remetendo para uma concepção mítica da infância como “idade de ouro”, e se nos quedarmos na dedicatória “Para os meus netos”, não se tornará difícil privilegiar um duplo protocolo de leitura, visando dois ‘tipos’ de público-alvo: o leitor jovem (infantil e adoles­cente) e o leitor adulto; o leitor ingénuo, afeiçoado às histórias comovedoras de cães, e o leitor crítico, cuja experiência (que, segundo Oscar Wilde, é o nome que damos aos nossos erros...) não hesita em escavar na superfície do texto um ou outro trilho hermenêutico, mais ou menos consciente e profundo, voluntariamente traçado ou não... Configurando, de modo indubitável, o sen­tido imanente e a estrutura profunda – o fenotexto e o genotexto – , os títulos das dezoito novelas (não ao acaso respigados) tanto reenviam para os nomes dos caninos cuja trajectória existencial não deixa de ser narrada, como para uma reinvenção taxinómica dos Canídeos, a que não é alheia a sátira social.

No primeiro caso, o dos títulos epónimos, deparamos com genuínos bilhe­tes de identidade - que as talentosas ilustrações de André Caetano firmam em definitivo - de cães e de cadelas de estimação cuja genealogia - “Nasceu [a Pantera] há quatro anos.” (2008: 135) - a memória do Autor - que o “baú” metaforiza (2008: 137) - cristalizou em lugares de memória revisitados pela palavra. É o caso de A Girafa, “cadela branca, atravessada de galgo” (2008: 23), detentora do faro mais apurado de Tronqueira; é o caso do Alex que, numa das suas saídas de cariz sentimental e de matriz erótica, é vítima de morte por atropelamento; é o caso do Adónis (e repare-se na consciência cra­tiliana da linguagem...) que, ao longo da viagem, em segunda classe, no Inter-Regional entre Lisboa e Coimbra, se torna o centro de atenções, mercê dos seus balbu­cios caninos de estirpe aristocrática, dos militares regressando aos quartéis; é o caso do Isquininho, inventor do novo método de esvaziar gamelas graças à sua imobilização: “Passou a pôr uma pata no fundo da gamela e assim ela ficava mais que segura ao chão. E comia o resto da papa­roca à vontade e em sossego...” (2008: 62); é o caso do Ligeiro, “rasteirinho e de cauda enroscada em jeito de ponto de interrogação” (2008: 77), que sacri­ficialmente aprende os riscos da falácia da sedução, simbolizada pelas pele­zinhas de chouriço: “Ao abrir a boca, já com as peles a roçarem-lhe o foci­nho, tornou a apanhar um cachação. [...] ‘caim, caim, caim’, o rabo murcho, correu a bom correr, [...]” (2008: 79-80); é o caso da Regina Cadela, parideira de profissão e perita, por excelência, na arte da fuga matreira à actividade caninamente vigilante das autoridades do município: “A cadela-mãe sobrevi­via sempre às investidas regulares dos funcionários municipais [...] ” (2008: 86); é o caso do Schwarz, cão expatriado que, forçado pelo dono a reaprender a sua língua pátria, vai gradualmente conhecendo as tristes etapas da gaguez no latir, tor­nando-se motivo de chacota para os seus congéneres - “o Schwarz cada vez mais gago, entristecido e neurasténico...” - e debitando mal a língua de Lutero (2008: 116); é o caso do Valente, pastor alemão de envergadura, cuja fera intrepidez se vê premiada com uma injecção letal e subsequente viagem gratuita rumo à eternidade dos Canídeos: “Perdi um amigo e a minha casa um excelente guarda!” (2008: 130); é, por fim, o caso da Pantera, esse “grand danois” a caminho do matadouro por sofrer de doença perigosa; da Petruska­zinha, pekinois de luxo instigado pela ‘mamã’ Susana a comer o bifinho a bordo do Carvalho de Araújo, e da Andorinha que, no colchão do autor-nar­rador alferes, dá à luz, com intervalos de quinze, vinte minutos, seis filhotes, sendo o último “uma fêmea com parecenças com a mãe enquanto jovem cachorra...” (2008: 171).

Destarte, estão os dados lançados para o escorço de uma segunda linha de leitura, que passa obrigatoriamente pela animização e per­sonificação do canino, mediante a adjectivação, a adaptação, a comparação, o contraste e a hipálage, desembocando na caracterização indirecta de todo o ser humano (mais ao nível da etopeia – descrição caracterológica – do que da prosopogra­fia - descrição física) dono de um “cão letrado”... Assim sendo, é a “família humana” do Alex que, após o seu passamento, traja lutuosamente (2008: 40); é o José Jacinto que se vê invadido por sentimentos específicos de um “dono coruja” (2008: 69); é a Girafa que, ao invés da senhora dona Amelinha Costa, assolada pela avareza, se não coíbe de repartir o “prato das sopas de leite desnatado com o gato maltês” (2008: 25) e é o Isquininho, cão “fiel e honrado”, que, por graça divina, é agraciado com uma “Morte serena” (2008: 63). Do mesmo modo, o Schwarz, contrariamente à Maria do Socorro, declina o desejo acalentado pelo Senhor de Simas de aprender a sua língua; a Petruska espelha caracterologicamente, graças à ambiguidade de onde o lúdico não desertou, a sua dona Susana, amante de “ternura e cócegas” (2008: 161); por fim, os cães das Letras contemplam “os humanos […] com um acento tónico de sílabas de um verso bem escandido” (2008: 101), enquanto os da Faculdade de Direito se impõem pela sua sumptuosidade (2008: 108). De realçar, neste contexto específico, o recurso a certas expres­sões convencionais, convocando a tradição cristã, que inusitadamente con­templam determinados momentos da vida canídea: a Girafa humaniza-se ao receber o sacramento do baptismo, sendo esta humanização corroborada, na hora da sua morte, pela derradeira invocação: “dai-lhe, Senhor, o eterno des­canso, entre o resplendor da luz perpétua...” (2008: 34); por sua vez, não se furta o narrador a clamar “Paz à sua alma” na altura em que o Valente entrega a alma ao Criador (2008: 130) e a rogar a Deus que dê “uma boa morte” à Pantera (2008: 138).

Por intermédio de uma inversão semanticamente pejorativa, o universo parece transfigurar-se em “mundo cão” (2008: 138), habitado pelo “bicho-careta” (2008: 86) que é o homem. É, então, que irrompe a sátira social, sob forma de crítica à mentalidade estreita, sobrelevando a raça canina o ser humano: a Girafa, ao ter impudentemente relações sexuais, em público, com o galã do Calçado, escandaliza as beatas angelicais que, lestas, se encami­nham para o ofício matutino (2008: 27); um rafeiro, cão da esplanada, não refreia o desejo súbito de montar a sua amada, indiferente à turba preconcei­tuosa, mas minada pela sensualidade (2008: 91); a municipalidade, cuja pala­vra de ordem se resume eticamente a preservar os “bons costumes”, apressa-se a desinçar a via pública da indesejada descendência da Regina Cadela (2008: 85); o cão do mestre Oliveira, baptizado de Polícia, torna-se, à ima­gem do seu dono, mestre em morder o policial Beliboga (2008: 146), situa­ção caricata prenunciada pelo título Cão-Polícia ou vice-versa. A par da sátira, insiste a paródia em fazer a sua aparição em cena, mor­mente no tocante a esse hipotexto que é a erudição balofa, o discurso universitário her­mético, o casticismo de um ‘catecismo’ em desuso e o ensino que privilegia menos a reflexão salutar do que o ‘afinado’ papagueamento de verdades desactualizadas. A partir dos “cães atascados em literatura” (2008: 152) e dos “canídeos das filologias menos clássicas” (2008: 102) jorra, paulatinamente, um humorístico hipertexto (com “nuances” genettianas) denunciando quer “um dos muitos arquétipos de um arquitexto exemplificativo de certos ladra­res linguísticos de alguns cães e cadelas da semiótica” (2008: 103), quer “certas reminiscências estruturalistas no ladrar de alto” (2008: 102). Por um lado, o “professor transfigurado”, especialista na transmissão pseudo-peda­gógica das grandes correntes da crítica; por outro, o “coro dos falantes” can­tores, bons assimiladores da matéria trauteada (2008: 152). O resultado, “estupidamente real” (Idem), mais não é do que um amontoado lexical deli­rante, a desembocar no galimatias ou, talvez, no anfiguri, repassado (s) de conceitos teóricos descontextualizados e de absurdas abstracções teoréticas (2008:102). Do seio deste aranzel sobressaem tanto a parte prática da “teoria poética do luar” (2008: 151), exemplificada por um fragmento comicamente aliterativo - “Os lúbricos cães e as cadelas aluadas ululam lugubremente à lua… Os lú-bri-cos… a-lu-a-das… u-lu-lam… lu-gu-bre-mente… lu-a…” (2008: 151) -, como uma crítica velada ao decadentismo-simbolismo portu­guês (cujo corifeu foi Eugénio de Castro ao dar ao prelo os Oaristos) que, em vez de simbolismo genuíno e inovador (revisite-se Camilo Pessanha…), se ficou pela quintessência do parnasianismo...

Retomando as duas linhas de leitura que se têm vindo gradualmente a esbo­çar, indiferentes não podemos ficar à reinvenção canina a que procede Cris­tóvão de Aguiar. Na verdade, longe vão os tempos em que a canzoada se diferençava pelo pedigree, subdividindo-se em cães vadios ou rafeiros, em cães aristo­cratas ou de raça, podendo esta última categoria abarcar os galgos, os danois, os huskies e os pastores alemães, retratados com mestria no texto-imagem de André Caetano. Ora, em Cães Letrados, o conceito de canidade é diversa­mente (e enriquecedoramente...) abordado e sistematizado. Destaque-se, em primeiro lugar, a seguinte tetralogia canídea: “Cães de Esplanada”, “Cães Universitários”, “Cão-Polícia ou Vice-Versa” e “Cães Cantores”; atente-se, numa segunda etapa, no estudo denodado da caracterologia canídea condu­cente a uma taxinomia inédita: a cadela que se pauta pelos famosos relógios Longines e para a qual “o meio-dia era sagrado” (2008: 29); a cade­linha grá­vida que só aparece de manhã e à noite para cumprimentar o dono da casa - que não é o seu dono... - e os cinco colegas que nela residem (2008: 45); o cachorrinho que desfruta, com uma estudante, das Lições de pediatria, virando as folhas com a patinha direita e escapando ao pagamento de meio bilhete no Inter-Regional (2008: 54-55); o canino que se vai mantendo vivo até ao regresso dos donos da América (2008: 63); o cãozinho de orelha fita à espera da espinha e do rabo do “chicharrinho assado na sertã” (2008: 77); a cadela parideira que nunca considerou o seu corpo “res publica” (2008: 86), a cadelinha de luxo que tem um babeiro - qual “mise en abîme”! - onde apa­rece bordado “um cachorrinho de mama tomando o seu biberão” (2008: 161) e, por fim, o cão do futuro, “novíssimo cão”, totalmente informatizado e criado “à imagem e semelhança da tecnologia de ponta ou da ponta da tec­nologia.” (2008: 107). Por outras palavras, e decifrando a obliquidade da escrita, um anti-cão ou um contra-cão… Observe-se, numa terceira fase, não só a atracção de longa data do Autor pelos cães - “A minha atracção pelos cães é muito antiga. Há certas raças, porém, que me não agradam nada. Até tenho nojo de algumas dessas espécies meio exóticas: os muito pequeninos e alguns que não têm pêlo e parecem porcos...” (2008: 69) -, mas também a pertinência da sua função - “[...] acode-me à lembrança um velho professor amante de cães como eu. Chamava-lhes povoadores de solidões acumula­das.” (2008: 92-93) -, ambas desaguando num indubitável unanimismo caní­deo, quase nos antípodas do sentimento algo disfórico nutrido por uma certa raça humana, menos generosamente qualificada devido à intrusão da ironia.

“E, depois, dava ares [a Girafa] de maior esperteza do que alguns que anda­vam nos estudos.” (2008: 24).

“Falaram todos com muita propriedade e sabedura. Eu estava entre a luzidia assistência” (2008:39).

“Muito gostei de ouvir gente tão sábia sobre a matéria tão árida, ardente como as areias do deserto.” (2008: 40).

Que nos seja lícito, para concluir esta breve nota, aflorar não só o método de trabalho do escritor açoriano, como também a presença da Ilha na antolo­gia em pauta. No que respeita ao primeiro ponto, a “Nota Prévia” parece ser sobejamente esclarecedora ao alertar o leitor de todas as idades para o traba­lho incessante de depuração da escrita, identificado com um “verdadeiro cal­vário… […] sofrendo muitas alterações, cortes e acrescentos” (2008: 10). Escrita ou reescrita? No tocante ao segundo ponto, a Ilha constitui trampolim para o lirismo invadente, para a saudade inefável que Afrânio Gaudêncio aprende a definir: “Repercutiu-se-lhe então de imediato e de novo o som dos três berros. […] Três urros doídos. Em jeito de despedida. Nunca mais se podia esquecer. […] E ficarão doendo para o resto da vida. Assim acontece a todo o ilhéu desilhado. A Ilha é implacável. E vinga-se.” (2008: 162).

Livro de cães ilhéus e continentais (não falando dos estrangeiros…) para miúdos e graúdos, histórias para netos e avós e para pais e filhos, Cães Letrados só não será lido por quem tão-somente gostar - o que não deixa de ser insalubremente redutor... - de gatos literatiqueiros ou, pior ainda, de feli­nos estagnados na aliteracia.



Maria do Rosário Girão Ribeiro dos Santos

MARIA DO ROSÁRIO GIRÃO RIBEIRO DOS SANTOS doutorou-se na Universidade do Minho, com uma tese intitulada À sombra de Baudelaire. Estudo da recepção de Baudelaire na Literatura Portuguesa. De finais do Romantismo ao Modernismo. Desde então, tem vindo a leccionar disciplinas no âmbito da Literatura Comparada, Literatura Portuguesa/Literatura Francesa e Literatura e Mito, e a orientar teses de
Mestrado e de Doutoramento. O seu último livro de ensaios (no prelo) intitula-se MonsieurProust: o homem das leituras solitári

Bucareste, 4 de Março de 2009

Maia, 24 de Março de 2009

sábado, 11 de abril de 2009

Casa dos Açores Norte. André Caetano, exposição das ilustrações de Cães Letrados.

Há livros e livros. Uns têm sorte, outros nem tanto. Uns morremlogo à nascença ou em idade mais ou menos adiantada, não se pode predizer por proibido; outros vogam no limbo, e podem pedir para ressuscitar noutro tempo e noutro espaço… E há os que nascem com várias estrelas nas páginas. Como o nascituro que há-de acordar para a vida com uma pregada na testa. Sinal de destino bem-fadado. Cães Letrados é uma dessas criaturas privilegiadas.
Não pelas palavras lá escritas – podem esmaecer pela usura do tempo… Até a língua que lhes escorou os passos poderá um dia sumir-se ou transformar-se de tal sorte que torne enigmática e indecifrável a leitura. A imagem, não! Uma só, diz-se, vale por mil palavras!
As ilustrações do artista André Caetano trouxeram qualidade aos dezanove contos que compõem o livro. Dezanove textos que correspondem a outros tantos cães e cadelas. As gravuras narram mais que os contos... Como dizer por palavras a tristeza da Girafa já condenada, a seriedade maternal da Pipa, o olhar traquinas do Alex, o embevecimento na leitura do cachorro Adónis, a dança alada da Tina, o olhar triste e esfomeado do Ligeiro, a feminilidade senhoril da Regina cadela, o coro afinado e a uma só voz dos Cães Cantores, e dos restantes que não fui capaz de trocar por palavras?
Porém, André Caetano, cujo auto-retrato figura na badana direita do livro, conseguiu descer, através de suas gravuras, a funduras que as palavras por si só não poderiam alcançar. Com o concurso de ambas, tornar-se-á mais fácil a tarefa!
Cristóvão de Aguiar

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Cães Letrados, de Cristóvão de Aguiar. Calendário 2008.

Gostei de muitos dos contos do último Cristóvão de Aguiar, Cães Letrados: os cães universitários é uma delícia. O meu filho também gostou muito.

Comment by Falex — January 28, 2009 @ 7:22 pm, in A Destreza das Dúvidas.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Açores: Dez Mais 2008, por Carlos Melo Bento, in Açoriano Oriental.






2008 obriga a recordar os vencedores. Ferreira Moreno e Fagundes Duarte no jornalismo de investigação e opinião impuseram-se, aquele pelo labor infatigável, este pela coerência, incisividade e nua lucidez. Escritor é Cristóvão de Aguiar com um onanímico e belo e estranho e encantador “Cães letrados”. Político é, novamente, Ricardo Rodrigues, eficiente porta-voz do Povo Açoriano, conciliador da autonomia real com o interesse geral. Autarca, Berta Cabral, esmagadoramente imparável. Gestores Vasco Garcia, no fim da vida, dá generosamente a vida por vidas e Piedade Lalande com êxito no que parecia impossível num Rabo de Peixe irreconhecível. Nas artes Mário Jorge Garcia com o inimitável “Açores no Coração”, a par com “Corisco de Trabalho” de Nuno Brito agora de grande sucesso. Cientista foi Paulo Borges com a notável Biodiversidade dos Açores, demonstrativo que fazemos o melhor no que é nosso. No desporto, Victor Pereira que Cruz Marques bem alçou a treinador do Santa Clara, competente e digno, conduz a nau desportiva a bom porto. O acontecimento do ano foi a inauguração das Portas do Mar, nosso justo orgulho e vitória incontestável da eficiente equipa socialista, política e técnica. A grande figura do ano, Carlos César, vencedor absoluto da maior prova autonómica de sempre, obrigou a democracia a funcionar, derrotou todos os centralistas e guindou a Autonomia a alturas nunca antes atingidas na nossa História, onde entra por direito próprio.
Carlos Melo Bento
2008-12-23

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Um alerta google. In Tovi.

Neste Natal as minhas filhas ofereceram-me um magnífico livro de contos sobre cães: Cães Letrados de Cristóvão de Aguiar, com desenhos de André Caetano (nasceu em 1983 em Coimbra e é licenciado em Design da Comunicação pela Escola Universitária de Artes de Coimbra), uma publicação da Editora Calendário.
Este escritor açoriano, nascido em 1940 na freguesia do Pico da Pedra, ilha de S. Miguel, diz-nos na “Nota Prévia” desta obra: Os textos que compõem este livrinho, que ora vos apresento, foram extraídos, com ligeiras alterações, de vários livros meus onde essas histórias sobre cães e cadelas se encontram – os inseparáveis e afectuosos companheiros da minha infância e juventude.
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sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Cães Letrados, ou a fusão dos afectos, recensão crítica de Victor Rui Dores.

“Minha pobre Pantera, que tão cedo deste mundo cão te vais apartar.”
(pág. 138)

Em permanente desassossego criativo, Cristóvão de Aguiar andou, mais uma vez, pelo sótão da memória a mexer em penumbras empoeiradas…
Isto significa que, com mais um livro publicado, este autor continua a arrumar, nas páginas que escreve, os sonhos da infância.
Falar de Cristóvão de Aguiar é falar de uma reinvenção constante e de uma contínua e continuada necessidade de expressão literária. Ao (re)escrever os seus livros, ele carrega consigo a ilha perdida e mitificada, num diálogo que, partindo dos Açores, atravessa a história de Portugal da segunda metade do século XX até aos nossos dias, e busca espaços do universal.
Este açoriano escreve com mestria narrativa e imaginação verbal, num discurso literário que mergulha fundo no húmus da oralidade. De resto toda a sua obra é uma revisitação a lugares, pessoas, memórias, coisas e animais que povoam o seu imaginário.
Em Cães Letrados (2008, Calendário, geral@calendario.pt), Cristóvão de Aguiar lança olhares sobre cães e cadelas que foram “os inseparáveis e afectuosos companheiros da minha infância e juventude” (pág. 10). Os textos que compõem a obra foram extraídos, com ligeiras alterações, de vários livros seus onde as histórias sobre os referidos canídeos se encontram.
Com expressivos desenhos da autoria de André Caetano, Cães Letrados desperta em nós uma imediata adesão afectiva. E isto porque o autor humaniza os cães, emprestando-lhes sentimentos, emoções e estados de alma, dotando-os de grande lucidez e fascínio. Nesta matéria, aprendeu, e bem, a lição de Miguel Torga na referência incontornável que é esse clássico da literatura portuguesa que dá pelo título de Bichos (1940).
Mais do que cães e cadelas, mais do que companheiros fiéis, amigos e protectores, a Girafa, o Alex, a Monalisa, o Adónis, o Isquininho, a Tina, o Ligeiro, a Regina, o Schwarz, a Ísis, o Valente, a Pantera a Petruska, o Polícia, a Andorinha, entre outros, são personagens que sentem e agem como se de humanos se tratassem. Inevitavelmente o leitor tornar-se-á cúmplice deles e das suas aventuras e desventuras. Neste último caso, o atropelamento na via pública é um perigo que, a cada momento, espreita esses animais.
Os homens (pela voz e experiência do narrador) compartilham com os cães o grande valor da amizade – e a amizade é, aqui, a lição essencial da vida –, estando uns e outros irmanados na luta pela sobrevivência e a contas com as perplexidades, as inquietações, as vicissitudes e os dramas do dia a dia. A natureza instintiva de uns é a natureza instintiva de outros. E, para todos, o mistério da vida reside como a questão maior.
(Há também a considerar o papel simbólico do cão e, a propósito, convirá lembrar que uma das primeiras citações sobre cães na literatura nos remete para a Odisseia, de Homero, quando Ulisses, após longo exílio e diversas aventuras, regressa à ilha de Ítaca disfarçado de mendigo e é reconhecido apenas por Argos, o seu cão já velho e sem forças para qualquer acção além de abanar o rabo ao reencontrar o dono. Ulisses então chora…).
Tal como no mundo dos humanos, também na canidade há hierarquias e estratificações sociais. Os cães também são vítimas de injustiças, sejam eles dobermann, setter, pastor alemão, husky, ou um simples rafeiro. Há cães de “vocação aristocrática” (pág. 93) e que têm “casa, cama, mesa e pêlo esfregado” (pág. 61) e há “a cachorrada vadia e plebeia” (pág. 85); há os que são rafeiros e os que vivem “abarrotando de pedigree” (pág. 113); há os que recebem “a costumada ração de meiguice e afagos” (pág. 136) e os que fogem à rede da brigada camarária, ou pura e simplesmente são abatidos no canil municipal… Há o cão vadio da rua e há “o cãozinho pekinois de luxo de fidedigna linhagem” (pág. 160). Uns são órfãos, outros mimados…
Mas, em Cristóvão de Aguiar, os caninos nunca deixam de ter grandeza e verticalidade, possuem até comportamentos de gente… Como esquecer, por exemplo, a descrição (ia escrever cena) comovente e comovida em que o Alex, na véspera de morrer atropelado, se deita ao lado do dono, no sofá da sala, e o beija sofregamente como que a adivinhar a sua morte prematura?... E como não recordar, para sempre, a Andorinha a parir seis cachorros, em pleno palco de Guerra Colonial?
Por conseguinte, a força de Cães Letrados está precisamente nessa afeição canídea, isto é, na humanidade e na fraternidade partilhadas.
Mas há uma excepção que o autor, não inocentemente, reserva aos “Cães universitários”, numa das mais bem conseguidas narrativas do livro. Com efeito, os cães das Faculdades de Letras, Direito, Medicina e Ciências e Tecnologia não são amoráveis nem íntegros… A carga semântica de “canzoada” diz tudo. (“Cão que ladra não morde”. Enquanto ladra…).
Esta é uma das facetas mais aliciantes da arte verbal de Cristóvão de Aguiar: a perspicácia da ironia. Neste autor a ironia não é um dom – é um dado.
Numa prosa de afectos, rica de espessura evocativa e profundamente humana, e num registo que varia entre a narrativa, o conto e a crónica memorialista, Cães Letrados é um livro simples, honesto e sentido. Escrito com os olhos da memória.

Horta, 17 de Dezembro de 2008

Victor Rui Dores
Escritor

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

A GIRAFA DE CRISTÓVÃO DE AGUIAR, POR ANDRÉ CAETANO, in Cães Letrados. 2008



« O episódio da Girafa é uma obra-prima. Ele bastaria para fazer um livro e afirmar um autor.»
Fernando Namora


"Textos como «A Girafa» nunca mais se esquecem, devido à sensibilidade e à carga afectiva que o autor nelas derrama."
Urbano Tavares Rodrigues

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Da canidade. Ou sobre a forma de conceber a condição canina. 1.ª Crítica ao livro Cães Letrados, por Leocádia Regalo

<Como leitores constantes de Cristóvão de Aguiar, fomos lendo pági­nas exemplares, motivadas por esses animais intuitivos, que surgiram na sua obra, desde a primeira narrativa – os cães. Quem pôde esquecer a morte da Girafa, a cadela dócil, em Raiz Comovida, ou o parto da Andorinha, no abrigo do alferes e de um sargento, em plena Guerra Colonial, de Ciclone de Setembro? Agora, somos presenteados com Cães Letrados, uma obra em que o escritor reuniu “os textos extraídos, com ligeiras alterações, de vários livros, narrando histórias de cadelas ou de cães”. Os desenhos de André Caetano vieram retratar com sensibilidade e fidelidade à narrativa esses peculiares bichos que dão pelos nomes de Monalisa, Adónis, Ísis, Schwarz, Petruska, ou então, Isquininho, Ligeiro, Valente, Pantera, ou ainda, numa designação de classe, cães de esplanada, cães universitários, cães cantores… O título Cães Letrados, numa ambiguidade irónica, possibilita uma leitura que faz ascender estes canídeos ao estádio das “Belles Lettres”, como personagens que usufruem de pleno direito do seu estatuto, nas diversas narrativas, ou uma outra interpretação para a qual contribui a significação caricatural de “cães universitários”, aqueles que o autor concebe com a dose de humor, por vezes sarcástico, a que vota todos os exage­ros do academismo e seus tiques.

“A minha atracção pelos cães é muito antiga” – declara o autor ficcionado em Relação de Bordo, ao referir-se à Exposição Canina Interna­cional de Coimbra, em que assiste ao certame, manifestamente surpreendido com a classificação do júri. E diz-nos:


De qualquer modo, havia, na exposição, canzoada para todos os gostos. Só que muitas vezes assim não entendia o júri, que classificava exemplares que eu eliminaria. (…) O José Jacinto é que acertava quase sempre, poucas falhou, e mesmo, quando falhava, o que escolhia era sempre bem classificado. (p. 69).

Mas não é deste entendimento que se ocupa o escritor, sempre que pre­tende enveredar o leitor pelos meandros da personalidade, dos hábitos, dos instintos, dos traços inigualáveis da “canidade”. Como criador da língua, explica o seu neologismo: «…dez anos de canidade: equivale a cerca de setenta de humanidade.” (p.61).

A condição canina é, assim, a temática recorrente nas narrativas que dão corpo a este livro. Estabelecendo relações paradigmáticas entre as manifestações da canzoada e a actuação dos humanos, o narrador, ora protagonista ora participante, demonstra a sua afectividade, verdadeira predi­lecção, pelos vários exemplares que vão surgindo na efabulação.

Saboreie-se o paralelismo de condição e de expressão quando se lê: “Restam agora a Tina, a Monalisa, a Eunice, o Adónis e o Pitão, diminutivo de Capitão, já com onze anos de casa, cama, mesa e pêlo esfregado…”(p.61). Ou então a situação do cachorro leitor, um husky que viajando no Inter-Regional, ao lado de uma futura médica, “ ia partilhando a leitura com a fortuita companheira de viagem com muito entusiasmo e compenetração”(p. 55). A situação tão pitoresca é narrada com toda a convicção:

A estudante que se sentou ao lado do Alex abriu uma sebenta, Lições de Pediatria, pude ler na capa. Pouco depois, vi eu com estes olhos o cachorro passando as páginas ao livro com a patinha direita. Esperto como é, viu logo que se tratava de matéria médica que lhe interessava por se tratar da fase etária que atravessava. (…) Só visto. Quando ambos chegavam ao fim da página, o cachorrinho apressava-se a virá-la delicadamente, a fim de continuar a leitura da matéria pediátrica. (p.55).

Aliás, este cachorro é o Adónis, cujo nome original que constava na cédula de nascimento foi para o narrador motivo de preocupação.

Ficou Adónis, o nome do velho deus babilónico da fertilidade, depois adoptado pelos gregos que o colocaram na sua mitologia com ademanes efeminados, simbolizando a beleza juvenil. Apesar de aparentemente fortuita, esta circunstância tornou-me meio apreensivo. Estando ainda o infante naquela idade em que o sexo é indefinido, poderia acontecer que, no momento da aclaração, tanto pode cair para um lado como para aquele de onde nunca mais se logra sair. E, confesso, sem qualquer preconceito sobre a orientação sexual de cada um, que não gostaria de o ver mais tarde num programa televisivo, já adulto e homossexual assumido, ladrando contra a repressão exercida pelo espírito machista da maioria da canzoada… (p. 52).

É nesta cumplicidade entre o narrador, o autor ficcionado e os sujeitos da fábula que se estabelece, na matéria narrativa, a essência da “canidade”. Quantas vezes surpreendemos a simpatia manifestada pelos cães vadios de primeira geração, legítimos, “os mais idóneos”, a demonstrar a sua supremacia face aos humanos, pela inteligência e aceitação com que jogam contra a adversidade: «Ninguém melhor do que eles conhecia os sinuosos meandros da desfortuna… Garantia-lhes um sentido prático e tolerante da existência inçada de percalços.» (p. 93). A racionalidade, apanágio dos homens, evidencia-se como a qualidade mais surpreendente na condição canina, graças a esse olhar profundamente intuitivo e sensível com que Cristóvão de Aguiar perscruta os seres, aliando ao plano dos afectos um sentido transcendente que recria o mundo com novas significações.

Tornei-me leitora assídua deste escritor, ilhéu como eu, depois de ter lido páginas de rara beleza literária, que me foram comovendo intensamente, à medida que acompanhava o sentir do rapazinho a quem coube a nefasta incumbência de abandonar a adorada “cadela branca, atravessada de galgo” aos braços da Morte. Não sei se me rendi à súplica do olhar da Girafa, se me fixei na impotência das lágrimas que lhe responderam, o certo é que dei comigo arrepiada de emoção, por entre o marulhar das palavras daquele narrador já distanciado da infância gravada a fogo na sua alma. Parei - atitude impulsiva, sempre que se interroga a nossa consciência, ao sermos confrontados com a excepcionalidade. E até hoje, volvidos mais de quarenta anos, apesar de reconhecer qualquer página de Cristóvão de Aguiar pela sua prosa única e inconfundível, nunca mais me esqueci desse momento de sorte – a escrita tornada comunhão perfeita. Foi a descoberta de um grande escritor, que já começava no plano da genialidade, e que passou a contar comigo no universo dos seus leitores incondicionais. Não admira, pois, que Fernando Namora, numa carta que lhe enviou, agradecendo a oferta do volume de Raiz Comovida, comentasse: « O episódio da Girafa é uma obra-prima. Ele bastaria para fazer um livro e afirmar um autor.» Vejamos como é justa esta opinião.

Ao contrário de outros cães mais proletários, não tinha a Girafa por costume assistir à missa do padre João. Em matéria religiosa tornara-se no pior que se podia acoimar em Tronqueira, uma Adventista do Sétimo Dia… Consciente da sua heresia e não querendo assumir responsabilidades quanto ao destino da sua alma de cadela, fui um dia à nossa Igreja, a horas mortas, munido de uma garrafinha de pirolito. Enchi-a de água benta numa das pias laterais onde os fiéis molham as pontas dos dedos para se benzer e esconjurar do tinhoso tentador das almas. Trouxe-a para casa às escondidas e dirigi-me à casa-de-trás e aí baptizei a cachorra com o nome que ela de resto já tinha e dava por ele quando a chamavam. Ao chegar-lhe ao focinho umas areias de sal, segundo manda a liturgia baptismal, e ao despejar-lhe, em seguida, sobre a cabeça o conteúdo da garrafa, em cruz, senti no íntimo que a Girafa se tinha humanizado e que uma alma disponível, dessas que vagueiam pelos ares desde o princípio do começo, havia descido das Alturas e incorporado-se no corpo ainda tenro da cachorra, fazendo dela o que afinal sempre fora – a Girafa! E ela foi medrando sem sustos de monta, tirante a rabugem, prontamente sarada, e outros achaques ligeiros próprios da idade. (p. 25)

Num registo totalmente distinto, usando um humor picante cheio de insinuações e subentendidos, as páginas de Passageiro em Trânsito dedicadas a Petruska são também um excelente exemplo de versatilidade narrativa. A cadelinha pekinois, que viaja a bordo do Carvalho Araújo, acompanhada pela «excelentíssima dona. Situada no terrorismo da idade e da pujança física. E proprietária de um par de coxas de refrear o fôlego» (p.160), é retratada à imagem e semelhança da dona, qual bibelô que desperta a atenção dos apreciadores. Esta, em deliciosa conversa que proporciona ao futuro doutor Afrânio Gaudêncio, no deque de primeira,

De passagem, menciona o imenso gosto da cadelinha pelas viagens marí­timas. A sua profunda capacidade de estabelecer novas amizades com outros cães e cadelas, um pouco menos com estas. Têm idêntico ofício e andam em busca do mesmo. Independentemente da raça, cor ou pedigree… Claro, andava perdida de amores pelo comandante do navio. Não devia dizê-lo, mas até sentia uma pontinha de ciúme. Claro que estava a brincar. Muito gostava de se esgueirar para o camarote-suíte do senhor comandante. Cheira-lhe a farda perfumada em masculino. As cadelas sentem enorme prazer através do olfacto. Mete-se-lhe na cama, ah sua descaradona. E deixa-se ficar de barriga para o ar, recebendo carícias no baixo-ventre, sua doidinha. Não é verdade, Petruska? Sempre foste uma maluca por ternura e cócegas. Aprendeste com a dona. E ela ainda te há-de ensinar mais. (p.161).

Tão excelente simbiose entre a “canidade” e a humanidade só se torna possível graças a este cómico de situação e de linguagem, em que a animalidade e a sensualidade se confundem em idêntica essência fútil.

E o que dizer dessas páginas dedicadas aos “cães universitários”? Aqui a humanidade ultrapassa a “canidade”, nos seus intentos e expedientes. De humor pitoresco ou corrosivo, o autor ficcionado não poupa comentários irónicos a esta casta de canídeos que vagabundeia pelos pátios das faculdades.

Uma Universidade que se preza, seja ela clássica, privada ou nova, não pode dispensar os cães refastelados nos átrios das respectivas faculdades ou nos amplos passeios e largos fronteiros às entradas principais. (…) Se é certo que, após prolongada convivência, o cão toma as feições e os tiques do dono, não será menos verdadeiro que a canzoada universitária absorve as idiossincrasias das diferentes faculdades que frequentam. (p. 100).

Através da sátira impiedosa, põe-se a nu, com investidas certeiras e sarcásticas, os procedimentos e atitudes de caricatos intelectuais, vergados ao peso de um academismo bafiento. A crítica literária pretensamente hermética, espartilhada no formalismo oco das exegeses pseudocientíficas é posta a ridículo na sua verborreia absurda. Se esta afirmação pode parecer contundente, confronte-se o que diz o narrador, ao opinar sobre “os cães das Letras”:

Nos canídeos das filologias menos clássicas, notam-se certas reminis­cências estruturalistas no ladrar de alto, sobretudo se trasladado para a escrita, em grelha, grelhada sobre a mesma chapa da estratégia e problemática operatória formuladas no contexto semiológico das reflexões teóricas acerca da matéria ficta do volume – palavra que não enlouqueci – em direcção ascensional ao entrecruzamento da dissenção paródica, inter­rogativa, inconclusa do posicionamento diegético enquanto exame da obra com vistas à prática da análise crítica e em certa medida da taxonomia semiótica desde a reflexão produzida pelo Homo Sapiens até aos nossos dias de hoje em que o arquitexto transcende o texto e como tal faz apelo à teoria, constituindo-se, portanto, num pressuposto abstracto de formas conceptuais e categoriais de certo modo reguladoras da ordenação textual em termos de conjunto totalizante, na medida em que não se furta a um grafismo de incógnita.

“Ó senhor Figueiredo, traga-me já uma água natural Serra do Trigo; estou a sentir-me com a digestão a parar, mas tenho esperança de que, com a água mineral, acabe por arrotar, o arroto é a libertação, olha que nem me apetece contemplar aquele navio desatracando-se do paredão do molhe para tomar, depois, o rumo nas rotas do mar…" (p. 102)

Ao retratar os cães que circulam nas diversas faculdades, o escritor não faz concessões, não perdoa a vacuidade e vaidade da “mísera condição”, entregue a perversidades e ao tráfico de influências, numa actuação assumida e exibicionista. Servindo-se das potencialidades da língua com magistral à-vontade, não se inibindo de dizer o que pensa, nem que para isso tenha de recorrer à expressividade vicentina, Cristóvão de Aguiar tem o verbo recheado de intermitências agudas de polémica e lucidez que castigam a sociedade naquilo que ela poderia ter de mais resguardado – a inteligência.

O que me parece que fica claro em todas as narrativas deste livro é essa capacidade de transpor para a escrita o mundo dos afectos, numa dimensão íntima, de grande autenticidade, onde a alma se derrama em lembranças, evocações, sentimentos cúmplices e de angústia, imensa ternura e uma aversão declarada à hipocrisia mundana e à intelectualidade modernaça.

Merece a pena ler (ou reler) Cães Letrados. Por se tratar de uma obra de um escritor açoriano que sempre se afirmou, nas letras nacionais, como um exímio cultor da Língua Portuguesa, recriando-a na sua diversidade e tratando-a com uma correcção clássica, no seu riquíssimo léxico, que lhe permite usar o arcaísmo ou o neologismo com a plasticidade única que a construção semântica exige, tornando-se assim um virtuoso da língua. Porque esta antologia de textos nos faz reflectir especularmente sobre as atitudes, positivas e negativas, que nos levam à conclusão de que, na fronteira entre a racionalidade e a irracionalidade se encontram muitas vezes os homens, sendo estes animais dotados de grande intuição, discernimento, sensibilidade, dedicação, fidelidade, compaixão, solidariedade, bravura, meiguice e tantas outras qualidades amplamente manifestadas na narrativa dos seus comportamentos. E ainda, por causa da edição cuidada, realçada por uma ilustração sóbria e adequada, contida no traço expressivo de André Caetano, o jovem que nos ajuda a imaginar visualmente as personagens deste livro.

Coimbra, FNAC, 6 de Dezembro de 2008

Leocádia Regalo
Escritora.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Cães Letrados. Apresentação fnac: Hoje, 01.12. SEG 22H00 Mar Shopping; 04.12. QUI 18H30 Colombo; 06.12. SAB 17H00 Coimbra Fórum


Apresentação

CÃES LETRADOS




04.12. QUI 18H30 Colombo
06.12. SAB 17H00 Coimbra
08.12. SEG 22H00 Mar Shopping

SINOPSE:
Um magnífico livro de histórias sobre cães.
Histórias comoventes, onde aprendemos coisas extraordinárias destes nossos amigos.
Por exemplo: sempre que quisermos um cão idóneo devemos adoptá-lo entre a família dos vadios de primeira geração - só estes possuem capacidade para serem amigos de verdade e dar tudo pelo dono que o escolheu.
A apresentação de Cães Letrados, em Coimbra, conta com a presença do autor e de Leocádia Regalo.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Cães Letrados, de Cristóvão de Aguiar, apresentação de Carlos Alberto Machado, na Câmara Municipal das Lajes do Pico. 17 de Dezembro, pelas 21 horas.

CRISTÓVÃO DE AGUIAR é um dos grandes nomes da literatura açoriana de todos os tempos. Em 2006, teve homenagem nacional por ocasião da passagem dos seus 40 anos de vida literária.Mãos Vazias, poesia, é a sua primeira obra, saída em 1965. Contudo, é na prosa – romance, conto e diarística – que mais se tem distinguido. A sua trilogia romanesca Raiz Comovida valeu-lhe o prémio Ricardo Malheiros, da Academia de Ciências. Relação de Bordo, cuja trilogia foi completada em 2004, foi distinguida com o Grande Prémio de Literatura Biográfica da Associação Portuguesa de Escritores, e o livro de contos Trasfega recebeu o Prémio Nacional Miguel Torga. É ainda autor de muitas outras obras, como O Braço Tatuado (sobre a guerra colonial), Ciclone de Setembro, Grito em Chamas, Passageiro em Trânsito, Marilha, Com Paulo Quintela à Mesa da Tertúlia e A Descoberta da Cidade.
SINOPSE:
Um magnífico livro de histórias sobre cães.
Histórias comoventes, onde aprendemos coisas extraordinárias destes nossos amigos.
Por exemplo: sempre que quisermos um cão idóneo devemos adopta-lo entre a família dos vadios de primeira geração - só estes possuem capacidade para serem amigos de verdade e dar tudo pelo dono que o escolheu.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

"Cães Letrados" é o novo livro de contos de Cristóvão de Aguiar, com desenhos de André Caetano. Editora Calendário - 2008.

No dia 6 de Dezembro, pelas 17 h, na FNAC de Coimbra, é apresentado o livro de Cristóvão Aguiar, "Cães Letrados", pela escritora Leocádia Regalo.
INCLUI OS CONTOS: "GIRAFA" e "CÃES UNIVERSITÁRIOS".
"Um dia aconselhou-me. Sempre que eu quisesse um cão idóneo que o fosse adoptar entre a família dos vadios de primeira geração. Só estes possuíam capacidade de ser amigos de veras, dar tudo pelo dono que o elegera: da dentuça arregaçada, num sorriso de aviso à navegação, à meiguice de um lamber de mãos, passando por um roçar macio por entre as pernas…"

1.ª Edição: Novembro de 2008
Execução: ROCHA/artes gráficas, lda.
Depósito Legal: 285444/08
ISBN: 978-972-8985-29-5

Cyrano de Bergerac

Cyrano de Bergerac
Eugénio Macedo - 1995

TANTO MAR

A Cristóvão de Aguiar, junto
do qual este poema começou a nascer.

Atlântico até onde chega o olhar.
E o resto é lava
e flores.
Não há palavra
com tanto mar
como a palavra Açores.

Manuel Alegre
Pico 27.07.2006