segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

COIMBRA, CRISTÓVÃO DE AGUIAR E A REAL REPÚBLICA CORSÁRIOS DAS ILHAS.

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A Real República Corsários das Ilhas foi fundada em 1960 por iniciativa de estudantes provenientes do arquipélago dos Açores. Nos seus 41 anos de viagens a «nau corsária» já albergou marinhagem que se mostrou distinta.


A título de exemplo, cite-se o nome de Carlos Candal; o actual eurodeputado socialista era, em 1962, durante a grave crise que assolou a universidade, presidente da Associação Académica de Coimbra.


Ainda, durante a crise académica de 1972, destaca-se Carlos Fraião; este antigo corsário foi membro do Comité Central do Partido Comunista Português.

Também Germano de Sousa, Bastonário da Ordem dos Médicos e Cristóvão de Aguiar, escritor, viveram nesta República.







Por falar neste escritor, o zé manuel deixou um comentário na anterior versão desta página que reescreve um passo do Relação de Bordo (1964-1988), livro do referido Cristóvão de Aguiar, em que lança um olhar sobre as suas experiências nesta casa quando por cá passou nos anos 60:

"Coimbra, 1 de Janeiro de 1964 -
Na Real República Corsários das Ilhas, a cuja tri­pu­la­ção venho pertencendo desde 1961 (em Outubro ascendi a 2º telegrafista), a pas­sagem de ano foi, para mim, pavorosamente triste! De resto, nunca fui de grandes ex­pansões nessas horas que a tradição instituiu como marcos de viragem não se sabe bem de quê. Alheio ao natu­ral estarda­lhaço dos meus camaradas co-repúblicos, bem comidos e muito mais bem bebidos, encafuei-me no meu cantinho a ru­minar. É que 1964 vai ser o ano em que vou dizer adeus à vida de estudante (para sempre?) e ela agora que me estava cor­rendo tão bem: no terceiro ano sem ne­nhuma cadeira atrasada, mas é sempre as­sim). Isto por­que já no pró­ximo dia vinte e sete do corrente, numa se­gunda-feira logo de manhã, vou iniciar em Mafra o Curso de Oficiais Mili­cianos, com destino mar­cado para a guerra colo­nial. Consta da guia de marcha que recebi há dias, não esse des­tino, mas outro que vai de certeza de­sem­bocar naquele. Por isso, logo ao bater da primeira ba­dalada da meia-noite no reló­gio da torre da Universi­dade, senti que me es­tava afun­dando em terreno pouco firme e lodoso. Cheguei da Ilha em finais de Se­tembro com uma mala na mão e sem dinheiro com que mandar cantar um cego, quanto mais para con­tinuar os estu­dos. Havia justamente perdido a bolsa da Junta Geral do Distrito Autó­nomo de Ponta Delgada, novecentos es­cudos mensais, mas que me davam, resvés, para me ir sustentando em Coimbra. E perdi-a, não porque chum­basse, mas por não ter atin­gido a nota final de catorze valores, classificação exi­gida a partir do segundo ano até o final do curso para a manu­tenção da referida bolsa. Po­dia ter pe­dido di­nheiro emprestado, a juro de dez por cento, como é cos­tume lá na minha fre­guesia, mas meu Pai zan­gou-se comigo de­vido a um namoro reatado que ele não que­ria, derriço que, uma semana após a minha chegada a Coimbra, se des­manchou na se­cura de meia dú­zia de linhas de uma carta, que me acompanha, na car­teira, do­brada em quatro, as dobras delidas e enferrujadas… Por tal motivo, ne­gou-se a ser mi­nha fiança. Perdi a ca­beça e pedi que me antecipassem a incorporação! Veja-se o para­doxo: em tempo de guerra ser meio volun­tário, eu que, se ti­vesse co­ragem e juízo, devia mas era desertar daqui para fora. Na Ilha não queria ficar. Mi­nha tia Lurdes e o Ti José da Costa de­ram-me coragem e o dinheiro para a pas­sa­gem de barco e ainda mais algum para me ir tenteando. Cheguei à Re­pública e logo pus os meus companhei­ros ao par da mi­nha situa­ção. Houve reunião de casa à noite e ficou de­cidido, por unanimidade, que eu fi­caria lá na mesma com todas as prer­rogativas de um Corsário e só pagaria as minhas des­pe­sas, que seriam aponta­das pelo Comissá­rio de Bordo da Nau Corsária, quando recebesse os pri­meiros ordenados de aspi­rante. Eram apenas quatro meses que ficaria a de­ver, de Outu­bro a Janeiro, que or­çariam em cerca de três contos de réis. De­pois, quando viesse de Mafra passar os fins-de-se­mana, andaria à le­bre, como se diz em lin­guagem acadé­mica. Suspirei de alívio e co­movi-me com ta­ma­nho com­panhei­rismo de que poucos como os ilhéus, fora das Ilhas, são capazes."


Por não conseguir perceber bem os motivos que levam um gajo a querer meter-se na guerra… terei que reconhecer que às vezes só se dá pelo erro depois de se ter dado o passo inexorável da tomada de decisão e consequente prisão às amarras que daí decorrem… nos tempos actuais, em boa consciência, eu, o corsário que escreve estas linhas, teria que manifestar, a um colega que se me aparecesse com o mesmo dilema existencial que fosse pedir telha e comida ao Exército para o qual fosse servir… Mas, exceptuando este detalhe que se prende com a valoração do mundo e com a justeza, ou não das coisas, o texto retrata aquilo que os Corsários têm melhor sabido fazer, não deixar um irmão na mó de baixo.
Termino citando a frase de Antero de Quental aposta numa das paredes da sala de refeições da Casa:
“Mais vale experimentá-lo que julgá-lo, mas julgue-o quem não puder experimentá-lo”

COMENTÁRIOS RELEVANTES:
1) Anónimo disse:
Na crise de 62 o Candal já não era o presidente da Associação Académica de Coimbra.
O Presidente era o Francisco Paiva ( Medicina), da República ao lado dos Corsários, Os Galifões.
17 de Janeiro de 2008 2:33

2)Anónimo disse:
A frase do fim do texto não é de Antero de Quental, mas, sim, dos Ludíadas, de Luís de Camões.
18 de Janeiro de 2008 16:16

5 comentários:

Briseida disse...

Saludos cordiales, Lapa.

;)

Rui Caetano disse...

Um excelente texto.

CIELO disse...

Hola, no entiendo ni papa lo que dices, pero te mando un beso...

Cielo

Anónimo disse...

Na crise de 62 o Candal já não era o presidente da Associação Académica de Coimbra.
O Presidente era o Francisco Paiva ( Medicina), da República ao lado dos Corsários, Os Galifões.

Anónimo disse...

A frase do fim do texto não é de Antero de Quental, mas, sim, dos Ludíadas, de Luís de Camões

Cyrano de Bergerac

Cyrano de Bergerac
Eugénio Macedo - 1995

TANTO MAR

A Cristóvão de Aguiar, junto
do qual este poema começou a nascer.

Atlântico até onde chega o olhar.
E o resto é lava
e flores.
Não há palavra
com tanto mar
como a palavra Açores.

Manuel Alegre
Pico 27.07.2006