segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Soito-Sabugal, 24 de Dezembro de 1970

"[...] Mas fiquei compensado. Deus quis mostrar-me, a mim, que sou descrente, que se há solidão entre os homens há verdadeira comunhão na Natureza. E logo pela manhãnzinha, que estes milagres querem-se na pura claridade da hora do nascer, Ele paramentou-se e distribuiu a comunhão. Nem um ateu poderia deixar de estremecer. E era um regalo para os sentidos observar as árvores, de joelhos, e os montes, e os campos, recebendo o maná branco que descia lento do cálice do céu. Depois foi a sinfonia branca do silêncio. "

Cristóvão de Aguiar, Relação de Bordo, 1964-1988, pág. 106.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Soito-Sabugal, 28 de Dezembro de 1970, Relação de Bordo, 1964-1988. Esgotado

" Aqui vou de abalada com os olhos roídos de neve e o remorso de não querer ficar.
Ficou o Loto com as suas aventuras de contrabando, a pedir uma tela ou um livro. Deixei-o falar à vontade. E foi tal a violência da descrição, que me pus com ele a rastejar ao som dos primeiros tiros dos carabineiros. Fiquei molhado até às virilhas na travessia do Côa, enquanto os cavalos tingiam a neve de sangue.

Estação da Guarda, mesmo dia, um pouco mais tarde-

Este frio mata as almas - diz uma mulherzinha aqui ao meu lado, enquanto bate com os pés no cimento do apeadeiro. As pessoas que vejo dão-me a impressão de corpos sem alma. Esta enorme lâmina que cai verticalmente de um céu alucinado corta tudo rente, até o comboio que está parado na linha em frente e se destina a Hendaia e parte dentro de momentos. O comboio é longo, escuro e triste. Nem homens nem mulheres se dependuram nas janelas. É um comboio ao contrário. O chefe da estação apita, mas não tem culpa. A lâmina dá mais uma guinada e apanha os olhos daquela mulher que chora. Da carruagem acena uma mão tímida, sem coragem. No apeadeiro, a mão e o lenço da mulher responden, sem coragem também."


Cristóvão de Aguiar in Relação de Bordo 1964-1988, pags 108 e 109.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Soito - Sabugal, 24 de Dezembro de 1970.

"Chegaram alguns emigrantes de França. Curtidos das neves e dos frios da estranja, vieram aquecer-se à lareira do torrão. Trouxeram os seus automóveis potentes - gritos de protesto à servidão de séculos. Apesar do frio, as ruas estão cheias de vozes e de cores. Duas línguas confraternizam nesta tarde raiana. No cruzeiro, homens possantes e terrosos armam, com tocos de castanheiro, a fogueira da confraternização. São os mordomos do Menino. Há mais calor humano neste altar de tocos do que nos litúrgicos repiques dos sinos, convidando o povo para a Missa do Galo. Tanto que me enternece todo este paganismo pré-histórico, em que uma lareira acesa significa uma lareira realmente acesa, à qual todos se podem aquecer."
Cristóvão de Aguiar, in Relação de Bordo, 1964-1988, página 105.










A imagem foi retirada do blogue Capeia Arraiana.

Sítio da Nazaré, 20 de Dezembro de 1970. In Relação de Bordo 1964 - 1988

"Deste púlpito de rocha, a imaginação pára de trabalhar. Fica atónita em face de  tamanha grandeza. Ao voltar as costas, porém, apanhei num relance toda a dimensão trágica das gentes destas praias. Uma velha embuçada num xaile negro, encostada a um muro caiado de um branco de noiva, comungava o sol da tarde que declinava. Exactamente por cima da sua cabeça, a sombra projectada do cruzeiro completava o quadro fantasmagórico - a mulher ficou ali crucificada naquela cruz de sombra."

Cristóvão de Aguiar, páginas 103 in fine e 104.

F.M.F., escultura em ferro, 2004 Soito Sabugal

sábado, 15 de dezembro de 2007

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Cyrano de Bergerac

Cyrano de Bergerac
Eugénio Macedo - 1995

TANTO MAR

A Cristóvão de Aguiar, junto
do qual este poema começou a nascer.

Atlântico até onde chega o olhar.
E o resto é lava
e flores.
Não há palavra
com tanto mar
como a palavra Açores.

Manuel Alegre
Pico 27.07.2006