UM LIVRO DA PRATELEIRA
Cristóvão de Aguiar serviu-se de uma personagem a que deu o nome de Severiana de Jesus para dar corpo a um dos mais criativos romances da literatura portuguesa actual: “Marilha”. Severiana lega-nos uma história político-religiosa de assombro, onde a ética que a enforma é uma opção de um humanismo vivido no plano do terreno de todas as vivências. Para avaliar Aguiar é preciso afastarmo-nos dele e da sua obra. Afastarmo-nos dos profetas imorredoiros da literatura universal também é preciso. Por exemplo, Dostoievsky escreveu “Os Irmãos Karamazov” num país com nove milhões de quilómetros quadrados de superfície e cento e tal milhões de habitantes à época. Quem é escritor sabe o valor que isso representa. Aguiar escreve “Marilha” num panorama único e restrito. Numa ilha com dezenas de milhar de habitantes e com setecentos e poucos quilómetros quadrados de superfície “descobrir” um discurso de gente de uma “Tronqueira” recheada de toda uma cultura de exploração psicológica “invisível” e não só ao nível de quem pouco sabendo sabe “tudo”, é ser-se senhor de uma pena genial, pois apresenta sentidos direccionais de conclusão ideológica jamais deslindados na escrita dos nossos actuais escritores, a não ser quando os propõem (os sentidos) como manifestos políticos. A participação de Aguiar na literatura universal desabrochou há muito. Mais do que nunca é preciso pensar Aguiar. A “literatura de veio açoriano” sofre de uma frente fria que a liofiliza. Talvez tenhamos medo de nos descobrirmos a nós próprios. Vai lá saber-se porquê...
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