sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Concursos públicos, Darwin e Adam Smith. Luís Aguiar-Conraria. Professor de Economia da Universidade do Minho.

1. O governo pretende elevar o valor dos contratos públicos não sujeitos a concurso público de 150 mil euros para 5,1 milhões de euros. O único escrutínio a que estes contratos estão sujeitos é a sua publicitação. Infelizmente, o site onde estes contratos são publicados apresenta a informação de forma bastante obscura. Felizmente, dois colegas meus, o Fernando Alexandre e o Miguel Portela, organizaram os dados disponíveis para os últimos 5 meses de 2008. Percorrendo essa base de dados, descobrem-se coisas curiosas, que só se compreendem à laia de erros tipográficos. Por exemplo, que uma Câmara Municipal encomendou uma fotocopiadora por 6,5 milhões de euros. É certo que a fotocopiadora é multifunções, mas mesmo assim parece um preço exagerado. Descobre-se também que, apesar do limite legal de 150 mil euros, as excepções são tantas que o total do valor dos contratos acima dessa norma legal é de mais de 300 milhões enquanto o valor total dos contratos que respeitam o limite é de apenas 220 milhões. A base de dados pode ser consultada em www.eeg.uminho.pt/economia/mangelo/ajustedirecto.

2. Este é o ano de Darwin. Festejam-se 200 anos do seu nascimento e 150 anos do seu mais celebrado livro, “A Origem das Espécies”. Ainda hoje, muitos credos religiosos convivem mal com a Teoria da Evolução de Darwin. É natural que assim seja, com a evolução de Darwin concebemos a origem e a evolução das espécies sem necessitarmos de Deus, ao mesmo tempo que se refuta a ideia bíblica da criação simultânea das diferentes espécies.

As ideias de Darwin não surgiram de geração espontânea. Na sua autobiografia, Darwin reconhece que a teoria da população de Malthus, economista dos séculos XVIII e XIX, foi decisiva. Mas há um outro economista essencial para se entender as origens de Darwin: Adam Smith. A sua influência sentiu-se de duas formas. A primeira é metodológica: para se compreender a macroestrutura social é necessário estudar o comportamento e as acções dos indivíduos. Ou seja, mais do que derivar leis que operem sobre o todo, é essencial compreender o comportamento e as motivações que determinam o sucesso de cada indivíduo. A segunda influência é ainda mais óbvia. A teoria da selecção natural é uma transferência inteligente para o campo da Biologia do argumento central de Adam Smith em favor de uma economia descentralizada. Tal como Adam Smith argumenta que muitas vezes o bem-estar geral é o resultado das acções egoístas de vários indivíduos livres que entre si interagem, Darwin demonstra que a harmonia da natureza não resulta de uma intervenção superior (divina) ou externa. Pelo contrário, resulta da luta de cada criatura em prol de si própria. Quando Darwin desobrigou Deus das suas tarefas, já Adam Smith tinha dispensado a necessidade de um Estado controlador da actividade económica. A “mão invisível” de Smith encontra no princípio da selecção natural a sua metamorfose biológica. O socialismo está para a sociedade liberal como o criacionismo está para o evolucionismo. A dificuldade que muitos encontram em conceber o mundo sem um Deus criador e interventivo é a mesma que outros encontram para imaginar uma sociedade livre do peso excessivo do estado. O princípio de que a ordem geral pode ser o resultado espontâneo de acções individuais é difícil de engolir.

A 2 de Janeiro, Carlos Fiolhais contou-nos que se hoje todos os cientistas são darwinistas, a verdade é que as ideias de Darwin tiveram dificuldades em vingar no seu tempo. Com Adam Smith observamos o oposto. À época, os seus livros foram um sucesso. Hoje, enquanto se celebra Darwin, muitos gostariam de esconder Adam Smith numa prateleira da História. Já que celebramos os 150 anos da “Origem das Espécies”, sejamos justos e celebremos também os 250 anos do primeiro livro de Adam Smith: A Teoria dos Sentimentos Morais, possivelmente o mais darwinista dos seus escritos.

Jornal Público, suplemento de economia, 16-01-2009.

2 comentários:

Adriana Bañares disse...

feliz año nuevo a ti también

♥ KNITTING ART disse...

Greetings LAPA;
I'm happy to read your message.
I was busy, then very sorry for my late answer.
In your page, new music was nice and my family is pleased to hear Charles Aznavour's perfect song and voice from pc!
Happy New Year to you too, and all best wishes from Ankara-Turkey.

Cyrano de Bergerac

Cyrano de Bergerac
Eugénio Macedo - 1995

TANTO MAR

A Cristóvão de Aguiar, junto
do qual este poema começou a nascer.

Atlântico até onde chega o olhar.
E o resto é lava
e flores.
Não há palavra
com tanto mar
como a palavra Açores.

Manuel Alegre
Pico 27.07.2006