terça-feira, 14 de maio de 2013

segunda-feira, 29 de abril de 2013

In Relação de Bordo 1964-1988 de Cristóvão de Aguiar


Coimbra, 29 de Abril de 1974 ¾ Este ainda arremedo de democracia em que co­me­çámos a balbuciar os primeiros vagidos dá por vezes a ideia de se ter transfor­mado numa navalha de dois gumes. Principia a cultivar-se o berro pelo berro, pelo que, por vezes, o berreiro torna-se ensurdecedor. É que os cravos de Abril só me­drarão nos canteiros de Maio se estes estiverem de antemão mondados de certas er­vas daninhas. Não é bonito que a democracia sirva de pretexto para consolidar os seus próprios inimigos, à pala de que, num regime dessa natureza, há liberdade para todos, até a que basta para que ainda possa servir de trampolim para muitos daqueles, que neste último meio século português, fizeram dela letra morta e que agora, para se tornarem visíveis, procuram a qualquer preço apregoar aos quatro ventos as suas virtudes democráticas.

domingo, 14 de abril de 2013

Coimbra, 14 de Abril de 1976 
Estreia da peça A Arraia Miúda, no Teatro de Gil Vicente. Casa cheia. E muitos convidados de honra, entre os quais o próprio autor da peça, Jaime Gralheiro. Paulo Quintela lá estava, na primeira fila do balcão, seu lugar predilecto, porque dali vê o palco de cima, o que lhe dá outra perspectiva crítica da encenação, com os aleijões sobres-saindo-se mais. Muitas vezes lhe ouvi que, antes de entrar em cena, obrigava os seus pupilos do TEUC a tomar um bom cálice de vinho do Porto, que tem o condão de excitar e acalmar ao mesmo tempo, isto é, desinibe os tímidos e aquieta os exaltados. Segui-lhe o exemplo e não estou nada arrependido. Levei comigo um frasco cheio do bom e genuíno vinho fino, metade do qual bebi antes de entrar no palco e a outra metade no intervalo da mudança de acto. Quando entrei, logo após as três pancadas de Molière, parecia que caminhava num sobrado de algodão em rama, leve como uma penugem, e as palavras depois iam-me fluindo tão naturalmente, que até ia ficando nervoso de não ter ficado nervoso. A folhas tantas, estilhaçando o silêncio que caíra sobre o teatro, uma voz de criança: "Mamã, mamã, aquele ali é o papá." Era a voz do meu filho Artur, que se não conteve quando me reconheceu no meu traje impecável de Bispo de Lisboa, com mitra, bastão e saial branco com alamares e outros adornos dourados. Fomos muito aplaudidos. Depois do espectáculo, Joaquim Namorado vira-se para minha Mulher e pergunta-lhe: "Não te sentes em pecado mortal por dormires com um bispo?." Estou contente comigo. Meu Pai afinal não tinha razão, mas o pior é que o medo ficou fazendo parte de mim, nunca mais poderei expulsá-lo para sempre de minha casa.

terça-feira, 19 de março de 2013

Março, 19 – Mudámos de comandante de pelotão. O tercei¬rense foi de novo mobilizado, desta vez para a Guiné. Houve jantar de despedida na Eri-ceira. Foi o pelotão em peso. Era um alferes maluco, mas no trato não era de-su¬mano. Uma segunda-feira, cheguei mais tarde a Mafra, por se ter avariado a ca¬mionete. Pelo regu¬lamento, tinha obrigação de ser castigado. Felizmente que me mandou à ca¬serna vestir a farda de trabalho e disse-me que, por ele, não vira nada nem de nada sabia. Fe¬chou os olhos. Alguns camaradas de outros pelotões não tive¬ram a mesma sorte. Apa¬nharam um fim-de-semana de castigo. Chama-se a isto so¬lidarie¬da¬de entre ilhéus! O novo coman¬dante é um aspirante da Academia, que acabou de fazer o seu tirocínio aqui em Mafra. É um puto reguila, que nos vai fazer a vida ainda mais ne¬gra. Traz todo o tesão de mijo da Academia.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Parabéns Aguiar-Conraria por mais este honroso prémio.

Prémio de Investigação 2013 / UNIVERSIDADE DO MINHO “Cycles in politics: wavelet analysis of political time series”, American Journal of Political Science, 2012, Luís Aguiar-Conraria, Pedro C. Magalhães, Maria Joana Soares.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

24 de Janeiro de 1964, in relação de Bordo 1964-1988

Janeiro, 24 – Ando em despedida contínua. Dos meus amigos, dos meus colegas de curso, dos meus companheiros de República... E já sinto saudades. Até das aulas. Eu, que nunca me encantei com a maior parte das que são ministradas na Faculdade, quase sempre uma seca, muito piores, sem comparação, do que as do meu velho Liceu, na Ilha, onde tive professores de mão cheia  fico agora com pena infinita de as deixar, porque vou ser obrigado a isso dentro de dois dias. Hoje fui à última aula de inglês do Doutor Witcomb, o terror da Secção de Germânicas da Faculdade de Letras. Só quem vê as pautas das frequências ou dos exames finais poderá dar o valor ao que aí fica escrito! Andámos três aulas para retroverter para inglês o primeiro parágrafo de um texto de Branquinho da Fonseca, extraído do livro Caminhos Magnéticos. Principiava assim: "Levaram-no para um calabouço subterrâneo, de chão de laje, onde o ar parecia duma frescura agradável a quem vinha do calor lá de fora. Depois a humidade começava a repassar os ossos e cheirava mal. Entrava apenas uma réstia de luz por uma pequena fresta, junto ao tecto, que era em abóbada e pin¬gava". Três aulas para pôr isto em inglês. É obra! Mas aprendeu-se muito. Para calabouço, por exemplo, foi-nos dada uma caterva de palavras, cada qual com o seu significado exacto, conotativo e denotativo, que, segundo o professor, não há sinónimos perfeitos. Assim como para outras palavras, tais como réstia, fresta, laje... Estou a lembrar-me da sugestão do Virgílio para levaram-no, logo no princípio da retroversão: They marched him away, aventou ele. Andava com toda a certeza a ler livros policiais em inglês para pôr a língua em dia, que este ano há exame final de Língua Inglesa III, o último, uma espécie de formatura antecipada, que esta disciplina, pela sua dificuldade, vale bem todo o Curso de Germânicas. O professor gostou da sugestão, mas apressou-se a dizer o motivo por que não a aceitava. E explicou: – They marched him away dá a ideia, em inglês, de que o preso vai entre dois militares, sendo um de patente superior ao outro; e o texto nada refere acerca dos seus postos.  Estes ingleses! Já o ano passado, com Mr. Till, excelente professor, humano, paciente e sabedor, acontecia por vezes o inconcebível. Pedia-nos sugestões e nenhuma das que lhe dáva¬mos era aquela que ele queria. Era sempre a outra. Um dia, levei o dicionário escondido na pasta para uma aula de retroversão. Quando nos pedia um alvitre, ia ao tira-teimas e escolhia um sinónimo. Normalmente respondia-me:  It is a valiant attempt, Mr. De Aguiar, but it is not quite good English.  Com o Doutor Witcomb, muda o caso de figura, não há tentativas valentes... Basta um aluno esquecer-se de um s na terceira pessoa do singular do presente, para apanhar um chumbo.

Cyrano de Bergerac

Cyrano de Bergerac
Eugénio Macedo - 1995

TANTO MAR

A Cristóvão de Aguiar, junto
do qual este poema começou a nascer.

Atlântico até onde chega o olhar.
E o resto é lava
e flores.
Não há palavra
com tanto mar
como a palavra Açores.

Manuel Alegre
Pico 27.07.2006