Coimbra, 22 de Janeiro de 1984 _Entrou-me há pouco pelo escritório dentro o meu filho mais velho. Veio pedir-me, inseguro, que lhe oferecesse os livros que escrevi. É sem dúvida um visível sinal de esperança, porque, nas renhidas lutas que temos travado pela posse final nem sei bem do quê acesa luta entre gerações com diferentes valores , havia-me convencido (e ele com certeza também) de que o tinha perdido e ele a mim. De que ele era um caso arrumado e eu um pobre pai humilhado e ofendido. Há pouco mais de dois meses veio a neta trazer um renovado sentido ao sem sentido das nossas difíceis relações existenciais. Não lhe perdoas esse é que dever ser o nó da questão o ter ele feito o que tu gostarias de ter alcançado na idade dele e não foste capaz ou não te deixaram fazer. Tens-me dito que te apercebeste que, apesar da neta ter vindo florir-te de um princípio de adivinhada luminosidade, ainda não conseguiste, ou não quiseste, modificar-te nas camadas mais profundas do teu eu. Continuas enleado e enlameado em surdas pugnas íntimas que te vão dando cabo dos miolos e das fracas ligações que vais mantendo com quem te rodeia. Continuam existindo espessas borras viscosas que te embaciam o pensamento e sobretudo o sentir. Vives no dia de hoje com os pés enterrados nos fedorentos lodos do passado, o que quer dizer que desvives a sério em cada dia que passa. Depois, como esfarrapada desculpa, descarregas as tuas culpas para cima dos outros. Agora é o teu sogro. Não é ele, és tu, meu companheiro oculto, mete bem isto no bestunto. A tua cobardia não tem limites. O teu casamento foi um casamento de guerra. Imaginaste-o como panaceia para sarares as feridas abertas por Marília. Casaste-te contra e não com. E talvez aí resida parte da fonte dos teus tormentos. Se, como pensaste, tivesses fugido, no dia em que chegaste à aldeia raiana de teus sogros, talvez tivesses procedido melhor. Pelo menos, com coerência. Não fugiste, agora aguenta ou toma coragem de dar o passo decisivo. Deixa de te consumires em estúpidas guerras intestinas. Depõe a esferográfica no seu lugar, fecha este caderno e vai ler ou dormir. Por que te não suicidas? Mas não o faças hoje. Amanhã de manhã tens a obrigação cultural de ir à Faculdade de Letras ver e ouvir Umberto Eco. Irá certamente falar do seu romance O Nome da Rosa. Ouvirás também algumas pessoas ilustres da selecta assistência fazendo-lhe perguntas pertinentes, ou, como agora se diz, colocando-lhe oportunas questões, sobre semiótica da diegese do texto... Ou então aprende semiótica a sério e aplica-a à grelha da tua vida doentia. Pode acontecer descobrires a pedra filosofal...
terça-feira, 22 de janeiro de 2013
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TANTO MAR
A Cristóvão de Aguiar, junto
do qual este poema começou a nascer.
Atlântico até onde chega o olhar.
E o resto é lava
e flores.
Não há palavra
com tanto mar
como a palavra Açores.
Manuel Alegre
Pico 27.07.2006
do qual este poema começou a nascer.
Atlântico até onde chega o olhar.
E o resto é lava
e flores.
Não há palavra
com tanto mar
como a palavra Açores.
Manuel Alegre
Pico 27.07.2006
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