terça-feira, 23 de outubro de 2007

A VISIT TO THE SEA, BY CRISTÓVÃO DE AGUIAR.

A visit to the sea

I have gone to pay a visit to the sea. I have just gotten back with it captured in my bosom. I deeply breathed it with the adequate conviction in order to captivate it inside myself. I also brought it impressed in my eyes ─ I have looked at myself in the mirror to make sure it did ─ I have seen it bursting in waves of a whiteness of angel’s trumpets… It was actually alone, infuriated and with a surly countenance. I enjoy overtaking it like this. The container sliding off the wharf does not let me lie. As the ship was making for the open sea ─ the prow piercing into that restless ground ─ the billows frisked over in a foam flurry. At that time I was already on top of Boa Viagem (Good Voyage) ridge of mountains with a large deep horizon in front of my eyes. I was longing for its absolute and restlessness voice.
Just after lunch, I had taken my two old chaps with whom I have ridden here and there and started for Figueira da Foz (a city by the sea). We took the old road, more easygoing and humanised.
Since the fast lane has taken up post, the old one turned little by little into a carless road, according to the old fashioned way, but with those wonders that the fast lanes no longer possess.
I have not gone there for a long time…
(Cristóvão de Aguiar)

JORNAL DE NEGÓCIOS, EDIÇÃO N.º 210 de 10-03-04


domingo, 21 de outubro de 2007

sábado, 20 de outubro de 2007

António Manuel Rodrigues, in Diário de Coimbra, 4 de Março de 2004.



Uma pequena entrevista torna-se um desafio imenso quando o interlocutor se chama Cristóvão de Aguiar. A sensação que fica é que se perguntou pouco ao homem que é Comendador da Ordem do Infante D. Henrique – Título atribuído pelo Presidente da República em 2001--, ou que foi distinguido com o Prémio Ricardo Malheiros da Academia das Ciências (com o primeiro volume da Raiz Comovida), ou ainda com o Grande Prémio da Literatura Biográfica da Associação Portuguesa de Escritores (primeiro volume dos diários Relação de Bordo), ou ainda com o prémio literário Miguel Torga/Cidade de Coimbra 2002, distinção que o sensibilizou profundamente. Pretende-se captar a “alma” de quem escreveu Passageiro em Trânsito – que o Autor define como sendo um ajuste de contas consigo próprio e com a ilha que o pariu -- e ganha-se a certeza de que as respostas escondem um mundo criativo, de vivências impossíveis de transmitir numa entrevista, ainda que imensa fosse.
Nascido nos Açores em 1940, mas radicado em Coimbra há 44 anos, onde se licenciou em Filologia Germânica, Cristóvão de Aguiar dá agora à Literatura Portuguesa uma Nova Relação de Bordo, último volume da trilogia de diários. Segue-se mais “trabalho e persistência”, sem se preocupar com prémios ou que há-de vir. O escritor, que amanhã, pelas 16h30, ouvirá Ana Paula Arnaut (Professora de Literatura da Faculdade de Letras), apresentar, na Casa Municipal da Cultura e no âmbito da Mostra Cultural da Universidade, a sua nova obra, tem sido assemelhado a grandes vultos da literatura, mas considera-se um “simples mortal”.
Simples sim, nota-se nesta entrevista, mortal também, naturalmente, mas, pela obra literária, indiscutivelmente invulgar.
(AMR)

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Bristol Rhode Island. O Senhor Mestre Artur, Pai de Cristóvão de Aguiar, num cemitério de Bristol R. I.


UM "ATÉ LOGO" COALHADO DE ETERNIDADE

Bristol Rhode Island, 26 de Janeiro de 1992.
De novo aqui me encontro, meu Pai, cada vez mais acolhido ao calor que a tua forja foi em mim demorando e estanciando. Nenhum frio de neve semelhante a este, que sopra de um quadrante de outro mundo, ou mesmo mais intenso, estaria apto a fazê-lo esmorecer e amuar em morno e tranquilo rescaldo. Disseste até logo e presto voltaste atrás, como quem se esquece da boina, e acrescentaste: “Se Deus quiser, Conceição”... Estarias porventura pressagiando fumo de tragédia ou cheiro dela erguendo-se do ventre da manhã de horas minúsculas, irrevogáveis, integralmente nuas e tuas, abastecidas daquela solidão que precede a planura da ausência? E Ele, meu Pai, não quis. Tu, que havia pouco, a Ele te encomendaras em íntimo e recolhido diálogo contigo, como o fazias todas as manhãs para aquecê-las e oleá-las de princípio! Não quis. Bem gostava eu agora de deslindar tão misteriosos desígnios. Aqui, a teus pés, no teu leito de terra, suavemente reclinado para o Sol-poente, coberto de um lençol de relva, ainda crestada destes frios desalmados da Nova Inglaterra. Não consigo. Sempre pediste a tua morte assim subitânea, um aniquilamento à tua altura... E ela foi-te concedida. E assim abalaste da vida que te magoou desde a madrugada dos anos até ao crepúsculo. Zarpaste sem incomodar ninguém. Sem tocares com tuas mãos sábias no fantasma sempre tão contigo de poderes um dia vir a ser despejado na lixeira humana de uma qualquer instituição eufeministicamente denominada lar de terceira idade... Não lhe tocaste. Mas constituiu a tua sombra nos últimos anos que viveste no sobressalto dessa suposição. Não consigo deslindar, Pai. São tão misteriosos os desígnios! E por que disseste até logo e ainda não regressaste desse poente para onde te sumiste, vou continuar esperando dentro em mim, aqui sentado nesta banqueta de pedra despolida que a vida me arrumou. Foste sempre um homem de palavra. Às vezes mais rija que o aço da ferramenta que temperavas. Outras, terna como criança embebida a fabricar seu próprio brinquedo. E tu construíste tanto, meu Pai. Desde a manhã dos tenros anos até ao alpardusco da existência! Homem de palavra. Não posso, nem razões me assistem para pôr em dúvida a tua derradeira frase "até logo". E vieste atrás e ajuntaste "se Deus quiser". Ainda conservo, por isso, o fio da lamparina aceso. Um pavio entrançado de muitos fios de esperança. a que nunca soube morrer. Sei de um saber que não se pode explicar, mas de fonte segura - a que jorra do coração-, sei que, onde quer que estejas, Pai, ou a vir do nascente ou enfronhado no ocaso, tenho a certeza que me vais ler, ou me estás já escutando enquanto, ajeito estas palavras numa bigorna, quem sabe se uma extensão da tua, todavia menos concreta, mas igualmente suada, que isto de querer ser serralheiro da palavra, como foste do ferro e do aço, não é ofício a que qualquer um se possa alcandorar, pelo menos com a perfeição que atingiste no teu. Empresta-me as tuas mãos, Pai, e tudo se tornará mais claro deste lado da vida em que me encontro. Faz hoje exactamente um ano. Saíste de casa. Até logo. E vieste atrás para emendar a secura da frase. Se Deus quiser. Não quis. Como o tempo corre sem freio, esse cavalo sem tino e de tiro puxando o arado que nos vai lavrando a leira dos sonhos com relhas de alguma ilusão, necessária. Diferente daquelas que forjaste para charruas verdadeiras de desventrar a terra, desvendando-lhe os segredos e a intimidade. Já não sentes o tempo, Pai! Despiste-te do casacão do tempo, que, por vezes, incomoda. Estás agora nu dentro de outras horas que não pesam e são leves como a eternidade. E aqui estou, meu Pai, ainda vestido do meu corpo e do tempo que o vai arruinando. No Verão passado, plantei-te flores exactamente por cima da tua cabeça. E elas medraram e floriram. Olho o céu e vejo garças. Não sei se as mesmas que te acompanharam há um ano à tua mansão ungida de silêncio e de paz. As garças não te esqueceram. Ias todos os dias alimentá-las ao Colt State Park. Conheciam-te já. Não são ingratas como certos filhos dos homens. Não te esqueceram. E acompanharam-te. Emitiram seus pios de pesar.
Trago-te este braçado de lágrimas para regar a lembrança que de ti guardo.
Até sempre, Pai!

Cristóvão de Aguiar

("O Serralheiro da Escrita", in Relação de Bordo II, Campo das Letras, 2000, pp. 188, 189 e 190, et in Emigração e Outros Temas Ilhéus, in fine. Óleo sobre tela, por Bárbara Borges)

Segundo o Prof. Doutor José Carlos Seabra Pereira, professor de Literatura da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, este é um dos melhores textos da Literatura Portuguesa sobre o Pai.

A eterna saudade do Seu neto José Manuel.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

THE TWO ROSES, BY CRISTÓVÃO DE AGUIAR.


THE TWO ROSES

I am going to bury the two roses. On account of their already very weak scarlet shade, they had, a long time ago, breathed their last. All this rhymes with homesickness. Not too bad. I miss Her through them: she touched them and arranged them in a flower-pot standing on the desk. By an absolutely inadvertence of hers, she forgot her eyes upon them. As she could have dropped an earring or a ring in a haunted corner... I have just made them cosy in a paper coffin that will carry them to their final flowerbed. First of all, I was careful enough to collect and capture her eyes that remained there strayed as a flock of myriad of lights at night sown on the mountain ridge of São Jorge’s island... Thus, I still get a different breath and a more fortified fire. I do hope that their shroud should be ecological, so that their corollas may rot in peace and their essences may rest and rise to the ethereal flowerbeds where they came from. Later on, they will return with the desire of flourishing again in other or the same stalks, in other beings that may come to be roses, daisies, violets, pansies or anthuriums... For example, the orchids of our reunion in a December still very young, or the chrysanthemums of each end of Sunday afternoon that agonizes first in my eyes before reclining on the horizon. And all the other corollas, folded or single, that She spelled to me, petal by petal, in the gardens that we sow with the fertilizer of affection in the inside of the days! But I, with this incurable habit of wanting to perpetuate everything, was determined to extend them the vigour as I do with things, people, animals and even me ─ I must be a mix of all this, plus the mishap I represent, free and naked, before the mirror of myself... How sweet should it be to a certain sense still not invented to relish the fruit of being eternal! But at least within me, and while life does not deny me the bread of my breath, I believe that I have achieved it. So they stayed, like many other corollas that have been and will some day be, and She herself, past, present and future, conjugated in the unique voice of a single verb, perhaps mixed, regular or irregular, restrictive or non-restrictive, no matter, made flesh and blood, nerves, verses and semen... She only inherited the vivid virtues, transitive or intransitive and some of those other verbs that in the shroud of grammar find its natural bed of a serene and irremissible death. And She, crowned with daisies, shall prevail upon all of them!

terça-feira, 16 de outubro de 2007

AS DUAS ROSAS, POR CRISTÓVÃO DE AGUIAR.


AS DUAS ROSAS

Vou dar sepultura a duas rosas. Há muito tinham exalado o último suspiro da sua já tão débil nacarada tonalidade. Até rima com saudade. Não está nada mal. Sinto saudades de Ela por intermédio delas, tocou-as e ajeitou-as no solitário sobre a secretária. Por um incorrigível descuido seu, deixou sobre elas o olhar esquecido. Como podia ter largado um brinco ou um anel num qualquer recanto encantado... Acabo de as aconchegar na urna de papel que as transportará ao seu derradeiro canteiro. Antes de tudo, tive o cuidado de recolher e amealhar o seu olhar que por lá andava tresmalhado como um rebanho de miríades de luzinhas semeado à noite no espinhaço de São Jorge... Assim, sempre fico com outro fôlego e um fogo mais fortificado. Oxalá seja ecológica a sua mortalha, para que suas corolas apodreçam em descanso e suas essências subam aos etéreos alegretes de onde provieram. Mais tarde, voltarão com desejo de reflorir, noutras mesmas hastes, em entes que venham a ser rosas ou margaridas, violetas ou amores-perfeitos, estrelícias ou antúrios... Por exemplo, as orquídeas do nosso reencontro num Dezembro não muito idoso ou as despedidas-de-verão de cada fim de tarde de domingo, que agoniza primeiro nos meus olhos antes de se reclinar no horizonte. E todas as outras corolas, dobradas ou singelas, que Ela me foi soletrando, pétala a pétala, nos jardins que fomos semeando com adubo e afecto no interior dos dias! Mas eu, com este incurável vício de querer eternizar tudo, teimava em prolongar-lhes o viço, aliás como faço com coisas, pessoas, animais e comigo mesmo – devo ser uma mistura de tudo isto, mais o tropeço que represento quando livre e desnudado diante do espelho que me sou... Tão doce devia saber a um certo sentido por inventar o fruto de ser eterno! Mas, pelo menos dentro de mim, e enquanto a vida me não recusar o pão de seu sopro, acredito que o tenha conseguido. Por isso elas permaneceram, como muitas outras corolas que já foram e hão-de um dia vir a ser, e Ela própria, passado, presente e futuro, conjugadas na voz de um único verbo, talvez misto, regular ou irregular, coactivo ou incoactivo, não importa, feito carne e sangue, nervos, versos e sémen. Apenas herdou as vivas virtudes transitivas e algumas intransitivas daqueles outros verbos que, na mortalha da gramática, encontram o seu leito natural de uma morte serena e irremissível. E Ela, coroada de frésias, prevalecerá sobre todas elas!

(Cristóvão de Aguiar)

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Comentário de ISABEL a Miguel Torga e ao meu "modesto Tributo".

Orfeu Rebelde

Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade do meu sofrimento.

Outros, felizes, sejam os rouxinóis...
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que há gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura.

Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legítima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.

Miguel Torga

Talvez o poema de Miguel Torga que mais gosto, é uma poema visceral e dorido sem se alhear da beleza e da ternura.
Talvez porque também escrevo de forma visceral e terna talvez me identifique tanto com este poema, imagino-o a escrever rasgando-se lá dentro para o fazer e ao mesmo tempo alimentando-se da ternura que as palavras trazem a quem tanto as ama.

Gostei muito da tua homenagem, o teu poema é muito bonito e tocou-me. O fruto ultrapassa a vida, não sei se é imortal, não sei se existe alguma coisa imortal, mas sei que a essencia fica para além da vida.Isabel ( http://asminhaspalavras23.blogspot.com)

Muito obrigado pelo elogio.
Lapa

Cyrano de Bergerac

Cyrano de Bergerac
Eugénio Macedo - 1995

TANTO MAR

A Cristóvão de Aguiar, junto
do qual este poema começou a nascer.

Atlântico até onde chega o olhar.
E o resto é lava
e flores.
Não há palavra
com tanto mar
como a palavra Açores.

Manuel Alegre
Pico 27.07.2006