quarta-feira, 29 de agosto de 2007

A TABUADA DO TEMPO - FUNDAMENTAÇÃO DO JURI PARA A ATRIBUIÇÃO DO PRÉMIO LITERÁRIO MIGUEL TORGA - 2006

A TABUADA DO TEMPO. A lenta narrativa dos dias.

Cristóvão de Aguiar

Prémio de Narrativa Miguel Torga - Cidade de Coimbra, 2006.



A aparente insignificância de cada instante do dia ou da noite é transcendida por Cristóvão de Aguiar com a paixão de quem vive esses momentos como se fossem os últimos, os definitivos da sua vida: ungindo-os, - como se de um feito religioso se tratasse - com o amor, numa sacralização invasora que inclui quer o erotismo ( Ela), quer o humanismo ( o Outro, feito bicho – o Isquininho, o Adonis - ou feito Homem).
E a memória, desencadeada pela sensualidade do aroma de uma flor, ou do toque aveludado de uma pele ou de um objecto, das cores da terra, do ar, da água, ou do inquietante tilintar de uma bigorna, lança as pontes dos emotivos encontros e desencontros que vivificam a sua infância, o longe, o sentimento de momentâneas ausências que o tempo foi transformando em definitivas.
São, no entanto, as páginas dedicadas à própria escrita as que consubstanciam a oração mais intensa que percorre esta Tabuada do Tempo. Oração diversificada em metáforas referidas à palavra (“o seu coração de magma batendo na chaga esquerda do peito”) ou ao escritor (“barco á deriva, com estragos na quilha”). Poucas vezes nos é dado assistir a uma luta tão agónica para atingir a perfeição da palavra como esta a que o escritor aqui se entrega. É na sua inatingível procura que se debate, convicto de que a sua salvação como ser humano encarna-se nela e convicto também de que a sua sina vai ser a de nunca atingir nem uma nem outra.
O humor franco e aberto que perpassa estas páginas e que consegue os seus mais originais registos na escatologia manifestada em frases (“ventosidades silentes ou sonorosas”) ou vertida em histórias (a referente a dona Prudência e o Ti Zé Peidão), estabelece um contraponto na expressão, refreando o ímpeto desse sentimento de incompletude que percorre o livro e que parte da solidão para desaguar na solidão, após a penosa travessia feita no deserto por uma afectividade, por uma criatividade e por uma autenticidade absolutamente invulgares numa época como a nossa, em que impera a forma mais banal e inócua das narrativas light.
Cada frase desta Tabuada do tempo transforma-se numa revelação estilística, com descobertas lexicais e sintácticas que, iludindo a divagação, partem da procura no cerne da língua portuguesa, identificando o estilo de um autor que mostra nesta obra o ponto mais alto da sua maturidade literária.
Eloísa Alvarez

Universidade de Coimbra, 18.06.06.

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Cyrano de Bergerac

Cyrano de Bergerac
Eugénio Macedo - 1995

TANTO MAR

A Cristóvão de Aguiar, junto
do qual este poema começou a nascer.

Atlântico até onde chega o olhar.
E o resto é lava
e flores.
Não há palavra
com tanto mar
como a palavra Açores.

Manuel Alegre
Pico 27.07.2006