domingo, 10 de agosto de 2008

53- Corrupção, o ladrão faz a ocasião.

Paulo Morais,professor universitário

«A promiscuidade entre poderosos interesses privados e a gestão da coisa pública atingiu entre nós proporções inimagináveis. As consequências estão à vista uma democracia moribunda, um pequeno grupo que enriquece à custa dos bens colectivos e os pobres, esses, cada vez mais pobres. Tudo isto com uma corrupção generalizada como pano de fundo. Como foi possível que a democracia de Abril, fundada sobre os valores da ética republicana, se tenha abastardado a este ponto?

Em primeiro lugar, porque o Estado é hoje um grande cliente, o maior cliente de serviços de toda a ordem, e é responsável pelos maiores investimentos (ou esbanjamentos) - que são realizados habitualmente sem critério, com gastos descontrolados. É um Estado gastador, imenso e fraco, que subordina os seus gastos aos interesses dos mais poderosos interesses instalados.

Por outro lado, e muito mais grave, porque é no aparelho de Estado, através dos seus agentes políticos, que se decide, por despacho, quem enriquece. Pode ser através da atribuição de uma qualquer concessão por cinquenta ou setenta anos. Ou pela via da atribuição do estatuto de PIN (projecto de interesse nacional) a um qualquer projecto, o que permite que um dado promotor imobiliário adquira, por tostões, um terreno a um agricultor e o transforme em empreendimentos de milhões. Ou até pela alteração de um plano director municipal, efectuada a pedido. Ou, por último, através do deferimento ilegal de um empreendimento imobiliário como contrapartida de financiamento partidário.

Exemplos de favorecimento de privados, por despacho, são inúmeros. Alicerçados num edifício legal constituído por muitas leis, deliberada e propositadamente más; com muitas regras, muitas excepções, e que permitem um poder discricionário quase ilimitado. Os agentes políticos, com competência para determinados actos administrativos, no uso desse poder discricionário e na gestão das excepções, tornam-se fiéis àqueles a quem efectivamente devem o lugar a quem os financia. E deixaram, na maior parte dos casos, de ser leais aos que os elegeram.

É aqui que se encontra a verdadeira origem da corrupção, nas arbitrariedades que a legislação comporta. É pois a este nível que urge prioritariamente intervir, revogando muita da legislação, analisando a restante e identificando os alçapões por onde entra a corrupção.

Cabe ao Parlamento esta tarefa hercúlea de apagar da legislação a "ocasião que faz o ladrão". Tanto mais que, na maior parte das vezes, é o próprio ladrão que faz a ocasião, face à grande capacidade de influenciar a legislação de que alguns grupos dispõem. Mas a tarefa revela-se na prática impossível, uma vez que a maioria dos actuais deputados se funcionalizou e, subordinada ao aparelho partidário, dependente de quem financia a sua vida partidária e até privada, está afinal refém dos interesses mais obscuros.

Se actuar ao nível das causas da corrupção parece difícil, o mesmo se passa ao nível das consequências, já que os tribunais, ineficazes, não respondem aos anseios das populações, à sede de justiça que tarda em chegar.

E, assim, a corrupção campeia, através de todo um conjunto de favores e jeitinhos, favorecimento de privados muitas das vezes de forma ilegal, que se podem resumir à utilização de lugares públicos para transferência ilegítima de bens públicos para a posse de privados. Situações que estão tipificadas na lei como corrupção, é verdade; mas também como abuso de poder, prevaricação, peculato, tráfico de influências, abuso de confiança. O cidadão fica pois perplexo ao constatar que o Ministério Público não actua quase nunca em qualquer destas vertentes. Até se compreende as dificuldades de intervenção ao nível do crime de corrupção; este é de difícil prova e de difícil acusação, uma vez que tem de se identificar o corrupto, o corruptor, a decisão tomada em nome da Administração, o benefício que daí decorre e o nexo de causalidade entre todos estes factores. Mas então e quanto aos outros crimes? Por que não há acusações e condenações?

Sem alterações ao quadro legislativo e com um sistema judicial inamovível, os cidadãos, indefesos, sabem que a justiça não funciona. Sentem, até, que não há justiça. E, sem esta, não há Estado de Direito. Se o Estado não é de Direito, não é democrático. E portanto é a própria democracia que definha e morre. »


Ó Professor acusações? O MP a Câmara Municipal e as Estradas de Portugal de Coimbra aceitaram documentos falsos e fizeram um exercício de encobrimento da falsificação do licenciamento da cabovisão, em Coimbra, dentro de um stand/sucateira ilegal que não tem qualquer licenciamento.

2 comentários:

Anónimo disse...

O Dr. Aguiar está muito à frente deste professor…

Além de já ter denunciado uma ilegalidade concreta já tinha escrito tudo o que foi dito por Paulo Morais, que não acrescentou uma vírgula ao que V. Exa já tinha denunciado, doutamente, no seu blogue.
Mas, agora que o tema está na ordem do dia, espera-se que o caso que denunciou seja um dos primeiros a ser mediatizado e devidamente punido, para que de forma exemplar se ponha cobro a uma das maiores pechas do nosso sistema democrático, a corrupção, e não só, urbanística.
Também concordo consigo quando defende prisões efectivas para esses que são os verdadeiros criminosos e que usam fato e gravata.
Afinal, o que V. Exa. fez foi dar uma lição de direito ao procurador do MP que, de forma no mínimo suspeita, arquivou o processo que tempestivamente denunciou.
Há que investigar certos procuradores (as) também… pois não se podem eximir da sua culpa pelo incumprimento, descarado, da Lei vigente.
Prisão, prisão e mais prisão para esses criminais.

Lapa disse...

Obrigado.
Sempre é bom sentirmo-nos acompanhados.

Cyrano de Bergerac

Cyrano de Bergerac
Eugénio Macedo - 1995

TANTO MAR

A Cristóvão de Aguiar, junto
do qual este poema começou a nascer.

Atlântico até onde chega o olhar.
E o resto é lava
e flores.
Não há palavra
com tanto mar
como a palavra Açores.

Manuel Alegre
Pico 27.07.2006