quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Discurso do Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados Portuguesa na Abertura do Ano Judicial 2010.



Discurso do Bastonário na Abertura do Ano Judicial


27-01-2009

Exmo. Senhor Presidente da República Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República Exmo. Senhor Ministro da Justiça Exmo. Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça Exmo. Senhor Procurador Geral da República Exmo. Senhor Cardeal Patriarca de Lisboa Exmos. Senhores Magistrados Meus Caros Colegas Senhoras e Senhores convidados

Começo por evocar a figura do Colega Dr. Fernando Amaral, falecido no fim da semana passada e cujo funeral se realizou anteontem.

O Dr. Fernando Amaral foi um grande advogado e um probo cidadão que se distinguiu também na acção política e que sempre actuou com rectidão e elevado sentido de responsabilidade.

Ao evocá-lo nesta circunstância, faço-o também para exortar todos os advogados a reverem-se nas suas qualidades de carácter e nos valores por que orientou a sua actividade profissional e a sua acção cívica.

Fernando Amaral foi um grande Advogado, foi um grande Democrata, foi um cidadão exemplar.

Por isso, não é só a sua família que está de luto. É também a nossa democracia; é também a Advocacia portuguesa.

Dizer que a justiça está em crise é um lugar comum que ao longo do tempo se foi esvaziando de sentido.

Tudo está em crise nos tempos actuais e não se vislumbram saídas redentoras. Da política à economia, passando pelo sistema financeiro, pelo ensino, pela saúde, pela comunicação social e, obviamente, acabando na última instância de regulação que são os tribunais, nada escapa ao sentimento generalizado de desconfiança.

Instalou-se na sociedade portuguesa um sentimento de profunda desconfiança que atinge sobretudo as instituições públicas e os órgãos do estado.

Não se confia no governante porque (devido a um amplo conjunto de situações mal esclarecidas) as pessoas duvidam que as grandes decisões políticas que envolvem vultuosos recursos públicos sejam tomadas mais em benefício de interesses individuais ou de grupos privados do que em benefício do interesse colectivo

Não se confia no legislador, porque se teme que as leis e os actos normativos em geral visem mais responder a casos concretos e individuais a que alguns legisladores estão ligados do que a conter soluções gerais e abstractas para os problemas da sociedade em geral.

Não se confia no médico, porque, pela prática de alguns, teme-se que as suas prescrições sejam feitas mais no interesse do laboratório que lhe financia congressos turísticos do que em benefício da saúde do doente.

Já não se pode confiar no jornalista que nos contacta porque alguns deles não actuam em respeito dos valores do jornalismo e da deontologia profissional mas antes ao serviço dos interesses dos clientes de algumas agências de comunicação com quem têm relações ocultas e perversas.

Não se confia na investigação criminal porque muitas vezes são demasiado evidentes os indícios de que essas investigações não são orientadas na procura da verdade mas antes para a comprovação de certezas previamente estabelecidas, visando a incriminação a todo o custo dos suspeitos.

Há sérias razões para suspeitar que algumas investigações visam, em simbiose com o jornalismo sensacionalista, conseguir a criação artificial do alarme social tão necessário à aplicação de severas condenações ou de desproporcionadas medidas de coacção.

Não se confia no juiz que julga porque muitos deles não possuem as qualidades pessoais necessárias ao bom desempenho dessa função – não possuem a calma, a sensatez e a maturidade

necessárias a um julgador - e alguns deles parecem mais preocupados em exibir os seus enormes poderes do que em fazer justiça com isenção, com imparcialidade e com rectidão.

Infelizmente, em Portugal, alguns juízes parecem estar mais interessados em mostrar poder para serem temidos do que em decidir bem para serem respeitados.

A situação atingiu tais dimensões que já não se pode confiar no Advogado, porque os poderes de estado, incluindo o poder judicial, estão a desrespeitar as suas prerrogativas funcionais previstas na Constituição da República Portuguesa e consignadas em leis da República.

Fazem-se ou importam-se leis que visam transformar os Advogados portugueses em zelosos colaboradores das autoridades judiciais nacionais e/ou europeias, chegando ao ponto de querer obriga-los a denunciar os seus próprios clientes, ou a agir como alongamentos secretos de investigadores policiais ou judiciais.

E alguns sectores do governo não escondem mesmo o desejo de tutelar os advogados, chegando a anunciar que os seus escritórios irão ser sujeitos ao controlo de uma polícia económica governamental.

Para isso procura-se reduzir a advocacia a uma mera actividade económica e os seus escritórios a estabelecimentos comerciais tout court, ignorando-se ostensivamente a sua relevância constitucional.

Por que é que se pretende exigir tabelas de preços pelos serviços de advogados, quando uma lei da Assembleia da República determina que esses serviços não são tabeláveis, estatuindo que os honorários devem ser fixados de acordo com a importância dos serviços prestados, de acordo com a dificuldade e a urgência desses serviços, de acordo com o grau de criatividade intelectual do Advogado na sua prestação, de acordo com o resultado obtido, de acordo com o tempo despendido, de acordo com as responsabilidades assumidas e ainda de acordo com uma série de usos profissionais fixados em regulamento e que até variam de comarca para comarca?

Por que é que se pretende exigir publicamente livros de reclamações, quando as únicas entidades que, por lei, podem escrutinar a actividade dos Advogados são a Ordem dos Advogados e os tribunais?

Como é que se pretende exigir tudo isso quando a lei diz expressamente que compete à Ordem dos Advogados regulamentar o exercício da respectiva profissão e exercer, em exclusivo, jurisdição disciplinar sobre os advogados.

E mais: quando foi o próprio estado que delegou na Ordem dos Advogados o exclusivo da função reguladora – não para privilegiar esses profissionais mas antes para garantir que a sua função constitucional que exercem nos tribunais seja levada a cabo livre de quaisquer constrangimentos e com a independência necessária a quem, no exercício dessa actividade, tem de enfrentar o poder das polícias e, muitas vezes, opor-se com firmeza e determinação a decisões dos próprios magistrados.

Por outro lado, estamos a assistir a um crescente desrespeito evidenciado por parte de alguns magistrados em relação às prerrogativas e imunidades que a CRP prevê e que a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ) e o próprio Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) estabelecem para os advogados portugueses.

Trata-se de prerrogativas e imunidades que, tal como as prerrogativas funcionais dos magistrados, foram criadas não como privilégios corporativos ou pessoais mas sim como garantias dos cidadãos de que poderão confiar nuns e noutros; de que poderão confiar nos Advogados que escolherem para os patrocinar, pois eles - enquanto profissionais independentes e titulares de uma função constitucional - não poderão ser alvo de medidas que diminuam o alcance prático e normativo dessas garantias.

Infelizmente, temos assistido nos tribunais portugueses a permanentes perseguições e agressões morais a Advogados que não são apenas desprestigiantes para o estado de direito, mas sobretudo constituem graves ameaças ao próprio estado de direito.

Condenam-se advogados em taxas de justiça e multas por actos praticados no âmbito do mandato forense, em nome e no interesse dos mandantes, como se os mandatários fossem partes no litígio – e isso sem um juízo prévio de conformidade ou desconformidade desses actos com o EOA como exige a LOFTJ.

Os arguidos e os seus mandatários estão, por vezes, anos e anos à espera de um julgamento, pois tudo é lento, muito lento até ao julgamento.

Porém, quando se inicia a audiência tudo se acelera numa pressa delirante, sem que, muitas vezes, os arguidos possam exercer sequer os mais elementares direitos de defesa previstos na lei.

A isso junta-se uma permanente falta de respeito pelos Advogados que chega ao ponto de se proferirem decisões contendo expressões formalmente injuriosas, formalmente ofensivas da honra pessoal e profissional desses Advogados sem quaisquer consequências para os seus autores, sendo certo que a ausência, ao menos, de um juízo de censura constituirá sempre um estímulo para o alastramento dessas práticas.

A consequência mais visível dessa situação é a quantidade de processos judiciais – em matéria crime e cível que são instaurados reciprocamente entre magistrados e Advogados - com uma pequena diferença: os processos dos Advogados contra magistrados são todos ou quase todos arquivados, mas os processos dos magistrados contra Advogados chegam todos ou quase todos a julgamento, dando quase sempre origem a condenações e a chorudas indemnizações.

Chega a ser deprimente a forma como alguns magistrados se comportam em tribunal, enquanto partes nesses processos, procurando, a pretexto de alegadas ofensas à função, obter elevadas indemnizações pessoais, naquilo a que já se chama uma espécie de «peculato moral» - ou seja, em que, para lavar supostas ofensas à função, se entrega dinheiro ao titular da função pretensamente ofendida.

É necessário proceder às pertinentes alterações legislativas para pôr cobro a estas situações, que desprestigiam ainda mais a justiça e os tribunais portugueses.

Para que possa prosseguir, por exemplo, o processo crime instaurado por Advogado contra um magistrado por alegadas ofensas à honra profissional do advogado deverá exigir-se que a Ordem dos Advogados se constitua assistente, pois só a ela verdadeiramente cabe a defesa da dignidade da Advocacia.

Deverá outrossim exigir-se que o processo crime instaurado por magistrado contra Advogado por ofensa à honra funcional do magistrado só possa prosseguir se o respectivo conselho superior se constituir assistente, pois só ao Conselho Superior da Magistratura e ao Conselho Superior da Ministério Público verdadeiramente compete a defesa da dignidade das respectivas magistraturas.

Em caso de acção cível e como condição de procedibilidade deveria igualmente estatuir-se a exigência legal de o respectivo órgão regulador emitir um prévio juízo de conformidade ou desconformidade com o respectivo estatuto funcional e profissional dos actos integradores da causa de pedir.

Enquanto tais alterações não forem estabelecidas vamos continuar a assistir a esse espectáculo degradante para a justiça portuguesa.

Mas pior do que tudo isso, chegou-se já ao ponto de não se poder confiar nos Advogados porque os seus escritórios podem ser alvo de buscas sem respeito pelas suas imunidades legais e constitucionais.

As prerrogativas e imunidades profissionais dos Advogados são garantias a favor dos cidadãos e da boa administração da justiça

Portanto, aquilo que o poder legislativo outorga pela porta da frente (e que consta da CRP, da LOFTJ e do EOA) não pode ser retirado pelo poder judicial pela porta das traseiras. Aquilo que é concedido pelas leis da República não pode ser desrespeitado pela prática judicial.

O fundamentalismo justiceiro que se instalou em certos sectores judiciais, sobretudo ligados à investigação criminal, sente que vale tudo para apresentar resultados espectaculares, mesmo que espectaculares só sejam as acções desencadeadas e não os resultados obtidos. Aliás, parece mesmo que a espectacularidade de certas investigações judiciais é inversamente proporcional à sua eficácia real.

Somos permanentemente bombardeados com notícias sobre grandiosas acções de investigação que dão excelentes manchetes ou aberturas de telejornais, mas sobre as quais, durante anos e anos, não se conhece nenhum resultado palpável.

Parece que certos processos em investigação, que aliás são baptizadas com designações

espampanantes, bem ao estilo das acções militares ou de espionagem, só produzem efeitos para certos órgãos da comunicação social, indiciando a existência de relações promíscuas entre os investigadores e esses órgãos de comunicação social.

Parece também, infelizmente, que algumas investigações estão mais vocacionadas para conseguir o aplauso estridente dos sectores mais justiceiros da sociedade portuguesa do que para descobrir crimes e punir os seus autores.

Mas não é só no domínio da investigação criminal. Também alguns julgadores já foram contaminados por esses métodos de acção, originando condenações verdadeiramente desproporcionadas para a gravidade dos delitos em causa.

Infelizmente, um juiz que cumpra com probidade e recato os seus deveres funcionais e aplicar a lei com respeito pelos critérios legais estabelecidos, com ponderação, com sensatez, com respeito pelos direitos dos arguidos e dos seus mandatários, estará condenado a um quotidiano anónimo e rotineiro, mas se não cumprir nenhum desses deveres tem sérias possibilidades de se tornar vedeta mediática e herói dos sectores mais fundamentalistas da nossa sociedade.

Assiste-se em muitos casos a uma espécie de Paradigma de Pilatos, o tal que lavou as mãos e permitiu que a questão fosse decidida pelos justiceiros que se concentravam em frente ao seu palácio.

Só que hoje, o que parece seduzir alguns magistrados já não é, obviamente, a mesma multidão que há 2000 anos exigiu a libertação de um criminoso e a condenação de um inocente, mas antes a turba mediática que exige e exulta com condenações cada vez mais pesadas e leis cada vez mais implacáveis.

Em muitos processos, quando se chega ao julgamento, já não é a acusação que tem de demonstrar a culpa dos arguidos; são estes que têm provar a sua inocência, pois, devido à acção conjunta de certos órgãos de comunicação social e de certos investigadores, há muito que esses arguidos estão condenados perante a opinião pública e a sua absolvição, mesmo quando justa, exigirá um esforço adicional do julgador e dificilmente será compreendida e aceite pela sociedade.

Já se chegou ao ponto de, até certas práticas que ao longo de anos foram levadas a cabo nos tribunais portugueses, com o conhecimento e mesmo com a autorização de magistrados, serem de repente transformadas em tenebrosos crimes punidos com penas de prisão absolutamente irracionais pela sua desproporcionalidade em relação à gravidade dos factos e ao grau de culpa dos arguidos.

Os magistrados que assim actuam podem ser temidos mas nunca serão respeitados. E, numa sociedade democrática, não tem futuro uma justiça que não é respeitada pelos cidadãos a quem se destina.

Exmo. Senhor Presidente da República Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República Exmo. Senhor Ministro da Justiça

É preciso que os magistrados sejam respeitados mas é igualmente necessário que eles respeitem os cidadãos e os Advogados nos tribunais; é imperioso que os tribunais respeitem as imunidades dos Advogados e a inviolabilidade dos seus escritórios.

Um escritório de um Advogado só pode ser alvo de buscas quando haja fortes indícios de que o Advogado em causa cometeu um crime que permita essa diligência.

Eu próprio venho afirmando (o que, aliás, me tornou alvo de muito incompreensões) que o papel dos Advogados é o de auxiliar uma pessoa que cometeu um crime a defender-se em juízo e não o de a auxiliar a cometer o crime e muito menos o de cometê-lo em nome dela.

Porém, já existem sérias razões para suspeitar que alguns Advogados são constituídos arguidos em certos processos-crime, unicamente para se poderem efectuar buscas aos seus escritórios e às suas residências com a finalidade de obter provas contra os seus clientes.

Repito: uma busca a um escritório só deverá ser efectuada quando houver indícios seguros de que o advogado em causa é autor ou comparticipante num crime que admita essa perigosa intrusão e o respectivo mandado deve indicar com precisão o concreto elemento de prova a apreender.

É esta a essência do patrocínio, é esta a essência da Advocacia em qualquer estado de direito democrático. Quando assim não for não haverá democracia, muito menos estado de direito.

Convém recordar que, fora de flagrante delito, a busca ao escritório de um advogado só poderá ser autorizada quando houver fortes indícios dos crimes de terrorismo ou de criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada;

Não se podem permitir buscas ao escritório de um advogado unicamente para, através do método de arrasto, tentar encontrar quaisquer provas que incriminem os seus clientes. Essas práticas judiciais constituem degenerescências que devem ser eliminadas e que a Ordem dos Advogados combaterá com firmeza.

É óbvio que no escritório de um qualquer advogado que patrocine um cidadão ou uma empresa em processo-crime estarão sempre elementos que poderiam ser muito úteis à polícia e ao Ministério Público para a sustentar as teses da acusação. Mas isso não autoriza que se possa lá ir buscá-los; isso não permite que mesmo um juiz de direito realize uma busca judicial a esse escritório. Uma das provas limite que servem para avaliar a consistência do estado de direito democrático é precisamente o respeito pelas prerrogativas e imunidades dos Advogados.

Não compreender isto é não compreender a essência do estado de direito democrático, é não compreender os limites que ele próprio estabelece à acção da justiça, justamente para que seja estado de direito, justamente para que seja estado democrático.

Sempre disse que os casos concretos de violação da legalidade devem ser punidos exemplarmente. O que não se pode admitir é que, a pretexto dos abusos de alguns, se eliminem os direitos de todos.

Uma palavra mais para reafirmar a profunda preocupação da Ordem dos Advogados com as mais recentes reformas na área da justiça e que apontam para um afastamento ainda maior dos cidadãos dos tribunais.

Os tribunais são órgãos que administram a justiça em nome do povo.

A administração da justiça assenta em três funções complementares entre si que são exercidas por juízes, por procuradores e por advogados.

Não há tribunais quando faltam os titulares de alguma dessas funções.

Por isso é incompreensível que em recente alteração legislativa, a gestão dos tribunais tenha sido entregue em exclusivo aos titulares de uma dessas funções com afastamento das outras duas.

Não há tribunais sem procuradores da república, como não há tribunais sem advogados. Por isso, uns e outros devem ter na gestão dos futuros tribunais de comarca um lugar compatível com a importância das respectivas funções, sendo certo que o advogado, enquanto representante dos cidadãos que vão a tribunal, tem um direito acrescido a esse reconhecimento, justamente porque os tribunais existem para administrar a justiça em nome do povo.

Por outro lado, é necessário garantir no novo mapa judiciário uma justiça de proximidade.

Não é curial obrigarem-se os cidadãos a deslocar-se a tribunais de outros concelhos quando as diligências processuais e os julgamentos podem ser realizados nos juízos existentes no seu concelho, bastando apenas que os magistrados lá se desloquem.

Há regiões do país onde os cidadãos precisarão de dois dias para se deslocarem em transportes públicos a certos tribunais. Por isso não é lícito exigir tamanho sacrifício aos cidadãos unicamente por comodidade dos magistrados e funcionários judiciais.

Está em curso desde há vários anos um processo de desjudicialização da justiça, a que tem de se pôr cobro rapidamente.

A justiça tem de ser, só pode ser administrada nos tribunais por magistrados e advogados e não em repartições por funcionários públicos, muito menos em entidades privadas orientadas para o lucro ou por burocratas em arremedos de tribunais.

A justiça tem uma dimensão de soberania que não pode ser alienada por necessidades economicistas ou por interesses corporativos. Por isso só nos tribunais ela deve ser administrada, pois só assim cumprirá o seu desígnio constitucional.

A desjudicialização da justiça constitui um perigoso retrocesso civilizacional que trará consequências funestas para a sociedade democrática e para o estado de direito, se entretanto não for atalhada.

Uma das formas por que se materializa essa desjudicialização é através das elevadas custas judiciais que são exigidas em tribunal. A justiça não pode ser transformada num bem de luxo que o estado coloque no mercado a preços impeditivos.

Infelizmente, quanto a este aspecto, a OA não pode deixar de condenar com veemência o novo Regulamento das Custas Processuais, cuja entrada em vigor foi diferida para Abril próximo.

Trata-se de um diploma que contém medidas extremamente gravosas para os cidadãos e para as empresas, impedindo-os ainda mais de recorrer aos tribunais.

A OA não pode aceitar que os sinistrados em acidentes de trabalho e vítimas de doenças profissionais deixem de beneficiar da isenção de taxas de justiça nem que os custos com exames médicos passem a ficar a cargo do trabalhador quando antes eram suportadas pelas companhias de seguro.

A OA não pode aceitar que se crie e deixe ao arbítrio do julgador a aplicação de uma taxa sancionatória especial que pode chegar às 15 Unidades de Conta nem que, nas acções executivas, se onere ainda mais a posição do credor com o aumento da taxa de justiça, beneficiando indirectamente os devedores.

A OA não pode aceitar que a taxa de justiça varie em função do número de processos instaurados no ano anterior, nem que se exija a cada interveniente o seu pagamento na totalidade logo no inicio do processo, nem que o autor com ganho de causa só tenha direito às custas de parte, se tiver recorrido aos meios alternativos para resolução do conflito.

Enfim, a Ordem dos Advogados está contra esse diploma porque ele mais não visa do que afastar os cidadãos dos tribunais e dificultar a acção dos seus mandatários em juízo, tornando assim a justiça ainda mais inacessível devido ao seu insuportável custo.

O novo diploma prevê a isenção de custas judiciais para os magistrados e para todos os vogais do Conselho Superior de Magistratura (incluindo os não magistrados), em quaisquer acções em que sejam parte por via do exercício das suas funções.

E por que é que não se prevê igual isenção para os advogados nas acções em que os mesmos sejam parte por via do exercício do patrocínio forense?

Exmo. Senhor Presidente da República Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República Exmo. Senhor Ministro da Justiça

Apesar do diagnóstico da justiça que acabo de fazer poder parecer pessimista, ele é, na realidade, lisonjeiro por defeito. Todos sabemos que ele corresponde apenas a uma parte da verdade.

Mesmo assim quero terminar, como o fiz há um ano, com uma palavra de esperança e de confiança.

Os poderes soberanos do estado de direito democrático, incluindo, obviamente o poder judicial, podem contar com a Ordem dos Advogados e com o Bastonário, para a construção de soluções consistentes para os problemas da justiça e dos tribunais. Não contem connosco para ocultar esses problemas; não contem connosco para ficar calados.

Muito obrigado.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2009

A. Marinho e Pinto

Fonte: Ordem dos Advogados

TVI

1 comentário:

Mota de Sousa disse...

Ó lapa, os advogados que andaram a dizer mal do seu bastonário nos orgãos de comunicação social, nomeadamente, esse ferrer de coimbra não deviam ser objecto de processos diciplinares por desrespeito ao Bastonário, uma violação muito grave dos estatutos da OA?

Cyrano de Bergerac

Cyrano de Bergerac
Eugénio Macedo - 1995

TANTO MAR

A Cristóvão de Aguiar, junto
do qual este poema começou a nascer.

Atlântico até onde chega o olhar.
E o resto é lava
e flores.
Não há palavra
com tanto mar
como a palavra Açores.

Manuel Alegre
Pico 27.07.2006